domingo, 24 de setembro de 2017

IMAGINAÇAO IMAGINADA E IMAGINARIO;O LEOPARDO DO PRINCIPE TOMASI DE LAMPEDUSA , PALERMO E O REINO DAS DUAS SISILIAS , NAPOLES E O CASTELO REAL , ; RECORDAÇOES INTELECTIVAS




Tomasi, nascido em Palermo, era filho de Giulio Maria Tomasi, príncipe de Lampedusa, e Beatrice Mastrogiovanni Tasca de Cutò. Tornou-se o único rebento do casal após a morte (por difteria) de sua irmã. Ele era muito apegado à mãe, pessoa de personalidade forte que muito influenciou seus ideais, especialmente em função de seu pai manter-se frio e distante. Quando criança, Tomasi estudou em sua mansão em Palermo com um tutor (que ministrava disciplinas como literatura e inglês), com a mãe (que conversava com ele em francês) e com sua avó, que costumava ler para o menino romances de Emilio Salgari. No pequeno teatro da residência em Santa Margherita Belice, onde ele passava suas férias, assistiu pela primeira vez peças como Hamlet, encenada por uma trupe itinerante.

No exército em Caporetto[editar | editar código-fonte]

No início de 1911, cursou o liceu clássico em Roma e posteriormente em Palermo; mudou-se definitivamente para Roma em 1915 e matriculou-se na faculdade de Direito; entretanto, naquele ano ele foi convocado pelo serviço militar, lutando na batalha de Caporetto, onde caiu prisioneiro dos austríacos, com a derrota italiana. Foi mantido preso em um campo de prisioneiros de guerra na Hungria, fez um plano de fuga, retornando a pé à Itália. Depois de ser promovido a tenente, retornou para a Sicília, alternando períodos na ilha e em viagens até sua mãe, retomando seus estudos de literatura estrangeira.

A esposa da Letônia[editar | editar código-fonte]

Em RigaLetônia, casou-se no ano de 1932 com Alexandra Wolff Stomersee, apelido "Licy", uma estudante de psicanálise de uma família nobre de origem alemã. No início viveram com a mãe de Lampedusa, em Palermo, mas logo a incompatibilidade entre as duas mulheres obrigou Licy a retornar à Letônia. Em 1934, seu pai faleceu e Tomasi recebeu seu título principesco. Ele foi convocado a retornar ao exército em 1940, mas, sendo o responsável por uma grande propriedade agrícola familiar, pode voltar logo a sua casa para retomar seus negócios. Tomasi e sua mãe refugiaram-se em Capo d'Orlando, aonde ele pode voltar a Licy; eles sobreviveram à guerra, mas seu palácio em Palermo não.
Após a morte da mãe em 1946, Tomasi voltou a viver com sua esposa em Palermo.
Em 1953, ele passou a dedicar a maior parte de seu tempo a um grupo de jovens intelectuais, um dos quais era Gioacchino Lanza, com quem fomentou grande afinidade e, no ano seguinte, adotou-o legalmente como filho.

Obras[editar | editar código-fonte]

"Il Gattopardo" trata de uma família nobre cujo brasão ostenta o animal referido no título do romance, destacando-se Don Fabrizio Corbera, Príncipe de Salina, no contexto do Risorgimento. Talvez o trecho mais memorável do livro seja o discurso do sobrinho de Don Fabrizio, Tancredi, o arruinado e simpático oportunista príncipe de Falconeri, incitando seu tio cético e conservador a abandonar sua lealdade aos Bourbons do Reino das Duas Sicílias e aliar-se aos Saboia:
O título "Il Gattopardo", em inglês e em português quer dizer "O Leopardo", mas a palavra italiana "gattopardo" refere-se tanto ao felino da América quanto ao africano. Gattopardo pode ser uma citação ao felino selvagem, que foi violentamente caçado na Itália até sua extinção, em meados do século XIX, exatamente a época em que Don Fabrizio testemunhava impotente o declínio e a indolência da aristocracia siciliana.
A obra foi muito criticada pelos críticos literários por "combinar realismo com uma estética decadente". Entretanto, tornou-se muito popular entre os leitores comuns, a tal ponto que em 1963 "Il Gatopardo" foi imortalizado no cinema pela produção de Luchino Visconti, estrelada por Burt LancasterAlain Delon e Claudia Cardinale todos atuando em grandes papéis.
Tomasi também escreveu trabalhos menos conhecidos:
  • "I racconti" (publicado em 1961);
  • "Le lezioni su Stendhal" (1959, publicado em forma de livro em 1977); e
  • "Invito alle lettere francesi del Cinquecento" (publicado em 1970).
Escreveu ainda "Alegria e a Lei", um trabalho literário comum. Ele também é autor de um pequeno número de ensaios.

O Leopardo[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Il gattopardo
Tomasi de Lampedusa foi muitas vezes hóspede de seu primo, o poeta Lucio Piccolo, com quem viajara em 1954 às termas de San Pellegrino para participar de uma cerimônia de premiação literária, onde eles encontraram, entre outros, Eugenio Montale e Maria Bellonci. Dizem que foi ao retornar desta viagem que ele escreveu Il Gattopardo ("O Gatopardo"), concluindo-o em 1956. Durante sua vida, o romance foi rejeitado pelos editores aos quais fora submetido, o que desapontou muito Tomasi.
Em 1957, Tomasi di Lampedusa recebeu diagnóstico de câncer e faleceu em 23 de julho em Roma. Ele foi sepultado no cemitério Capuccino em Palermo. Seu romance foi publicado somente dois anos após sua morte, quando Elena Croce o enviou a Giorgio Bassani que publicou o livro pela editora Feltrinelli.

A adaptação cinematográfica de "Il Gattopardo"[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: O Leopardo (filme)
Em 1860Garibaldi luta no movimento de unificação da Itália. D. Fabrizio (Burt Lancaster) é um aristocrata que tenta manter o antigo modo de vida, apesar dos tempos de mudança. Para ele, a ascensão da burguesia é uma ameaça. Contudo, numa manobra astuta, combina o casamento do seu sobrinho Tancredi (Alain Delon) com Angélica (Claudia Cardinali), filha de um rico e influente administrador de propriedades. Fiel a seus valores, o aristocrata consegue assim manter acesa a chama do antigo regime.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Margareta Dumitrescu, Sulla parte VI del Gattopardo. La fortuna di Lampedusa in Romania, Giuseppe Maimone Editore, Catania 2001


























































Tomasi, nascido em Palermo, era filho de Giulio Maria Tomasi, príncipe de Lampedusa, e Beatrice Mastrogiovanni Tasca de Cutò. Tornou-se o único rebento do casal após a morte (por difteria) de sua irmã. Ele era muito apegado à mãe, pessoa de personalidade forte que muito influenciou seus ideais, especialmente em função de seu pai manter-se frio e distante. Quando criança, Tomasi estudou em sua mansão em Palermo com um tutor (que ministrava disciplinas como literatura e inglês), com a mãe (que conversava com ele em francês) e com sua avó, que costumava ler para o menino romances de Emilio Salgari. No pequeno teatro da residência em Santa Margherita Belice, onde ele passava suas férias, assistiu pela primeira vez peças como Hamlet, encenada por uma trupe itinerante.

No exército em Caporetto[editar | editar código-fonte]

No início de 1911, cursou o liceu clássico em Roma e posteriormente em Palermo; mudou-se definitivamente para Roma em 1915 e matriculou-se na faculdade de Direito; entretanto, naquele ano ele foi convocado pelo serviço militar, lutando na batalha de Caporetto, onde caiu prisioneiro dos austríacos, com a derrota italiana. Foi mantido preso em um campo de prisioneiros de guerra na Hungria, fez um plano de fuga, retornando a pé à Itália. Depois de ser promovido a tenente, retornou para a Sicília, alternando períodos na ilha e em viagens até sua mãe, retomando seus estudos de literatura estrangeira.

A esposa da Letônia[editar | editar código-fonte]

Em RigaLetônia, casou-se no ano de 1932 com Alexandra Wolff Stomersee, apelido "Licy", uma estudante de psicanálise de uma família nobre de origem alemã. No início viveram com a mãe de Lampedusa, em Palermo, mas logo a incompatibilidade entre as duas mulheres obrigou Licy a retornar à Letônia. Em 1934, seu pai faleceu e Tomasi recebeu seu título principesco. Ele foi convocado a retornar ao exército em 1940, mas, sendo o responsável por uma grande propriedade agrícola familiar, pode voltar logo a sua casa para retomar seus negócios. Tomasi e sua mãe refugiaram-se em Capo d'Orlando, aonde ele pode voltar a Licy; eles sobreviveram à guerra, mas seu palácio em Palermo não.
Após a morte da mãe em 1946, Tomasi voltou a viver com sua esposa em Palermo.
Em 1953, ele passou a dedicar a maior parte de seu tempo a um grupo de jovens intelectuais, um dos quais era Gioacchino Lanza, com quem fomentou grande afinidade e, no ano seguinte, adotou-o legalmente como filho.

Obras[editar | editar código-fonte]

"Il Gattopardo" trata de uma família nobre cujo brasão ostenta o animal referido no título do romance, destacando-se Don Fabrizio Corbera, Príncipe de Salina, no contexto do Risorgimento. Talvez o trecho mais memorável do livro seja o discurso do sobrinho de Don Fabrizio, Tancredi, o arruinado e simpático oportunista príncipe de Falconeri, incitando seu tio cético e conservador a abandonar sua lealdade aos Bourbons do Reino das Duas Sicílias e aliar-se aos Saboia:
O título "Il Gattopardo", em inglês e em português quer dizer "O Leopardo", mas a palavra italiana "gattopardo" refere-se tanto ao felino da América quanto ao africano. Gattopardo pode ser uma citação ao felino selvagem, que foi violentamente caçado na Itália até sua extinção, em meados do século XIX, exatamente a época em que Don Fabrizio testemunhava impotente o declínio e a indolência da aristocracia siciliana.
A obra foi muito criticada pelos críticos literários por "combinar realismo com uma estética decadente". Entretanto, tornou-se muito popular entre os leitores comuns, a tal ponto que em 1963 "Il Gatopardo" foi imortalizado no cinema pela produção de Luchino Visconti, estrelada por Burt LancasterAlain Delon e Claudia Cardinale todos atuando em grandes papéis.
Tomasi também escreveu trabalhos menos conhecidos:
  • "I racconti" (publicado em 1961);
  • "Le lezioni su Stendhal" (1959, publicado em forma de livro em 1977); e
  • "Invito alle lettere francesi del Cinquecento" (publicado em 1970).
Escreveu ainda "Alegria e a Lei", um trabalho literário comum. Ele também é autor de um pequeno número de ensaios.

O Leopardo[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Il gattopardo
Tomasi de Lampedusa foi muitas vezes hóspede de seu primo, o poeta Lucio Piccolo, com quem viajara em 1954 às termas de San Pellegrino para participar de uma cerimônia de premiação literária, onde eles encontraram, entre outros, Eugenio Montale e Maria Bellonci. Dizem que foi ao retornar desta viagem que ele escreveu Il Gattopardo ("O Gatopardo"), concluindo-o em 1956. Durante sua vida, o romance foi rejeitado pelos editores aos quais fora submetido, o que desapontou muito Tomasi.
Em 1957, Tomasi di Lampedusa recebeu diagnóstico de câncer e faleceu em 23 de julho em Roma. Ele foi sepultado no cemitério Capuccino em Palermo. Seu romance foi publicado somente dois anos após sua morte, quando Elena Croce o enviou a Giorgio Bassani que publicou o livro pela editora Feltrinelli.

A adaptação cinematográfica de "Il Gattopardo"[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: O Leopardo (filme)
Em 1860Garibaldi luta no movimento de unificação da Itália. D. Fabrizio (Burt Lancaster) é um aristocrata que tenta manter o antigo modo de vida, apesar dos tempos de mudança. Para ele, a ascensão da burguesia é uma ameaça. Contudo, numa manobra astuta, combina o casamento do seu sobrinho Tancredi (Alain Delon) com Angélica (Claudia Cardinali), filha de um rico e influente administrador de propriedades. Fiel a seus valores, o aristocrata consegue assim manter acesa a chama do antigo regime.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Margareta Dumitrescu, Sulla parte VI del Gattopardo. La fortuna di Lampedusa in Romania, Giuseppe Maimone Editore, Catania 2001





       
 













































“O Leopardo”, de Tomasi di Lampedusa, publicado postumamente e popularizado pelo gênio do cineasta italiano Luchino Visconti, narra a decadência da nobreza e a ascensão de uma nova classe na Itália do final do século 19, endinheirada, destituída de sangue azul, mas ávida para comprá-lo
Nicolau Maquiavel é o que se pode chamar de unanimidade entre os estudiosos da ciência política. Na verdade, com a publicação de seu pequeno grande livro, “O Príncipe”, foi considerado o fundador da ciência política moderna. A obra constitui uma lição de sabedoria sobre como a natureza humana se comporta diante do poder; sobre como as pessoas se revelam em sua essência diante do poder. Os ensinamentos contidos nos escritos do sábio de Florença ilustram o caminho que devem seguir os governantes para manterem seus principados.
O mal deve ser feito de uma só vez, ao passo que o bem deve ser feito aos poucos; deve-se ver a realidade tal como é, não como se deseja que seja; quem governa deve ser temido pelos adversários e amado por quem é o responsável pela sua manutenção no poder — o povo.
São ensinamentos como esses que fizeram de “O Prín­cipe” uma leitura de cabeceira de vários poderosos pelo mun­do afora. Napoleão Bona­parte, ex-imperador da França; Chur­chilL, ex-primeiro ministro da Inglaterra e Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da Re­pública do Brasil e tantos outros que surfaram nas ondas do poder sempre tiveram esse clássico da ciência política bem perto de si.
Assim, se, por um lado, ser maquiavélico se relaciona a esperteza, astúcia, a aleivosia e a maldade, por outro, de uma maneira mais ampla, os ensinados de Maquiavel constituem uma lição para políticos no que diz respeito à arte de se manter no poder.
Outro importante aspecto enfatizado pelo sábio florentino em seus escritos se refere a um momento em que uma velha ordem de valores é contestada e as sociedades entram em conflito para que surja uma nova ordem, diferente da antiga. Para ele, “devemos convir que não há coisa mais difícil de se fazer, mais duvidosa de se alcançar, ou mais perigosa de se manejar do que ser o introdutor de uma nova ordem, porque quem o é tem por inimigos to­dos aqueles que se beneficiam com a antiga ordem, e como tímidos defensores todos aqueles a quem as novas instituições beneficiariam”.
Momentos assim são difíceis, não só porque geram instabilidades, mas sobretudo porque, na maioria das vezes, são como um pontapé numa já podre porta. Na maioria das vezes, tais situações exigem derramamento de sangue. É daí que surgem as guerras e as revoluções. A história está aí para nos mostrar que isso é uma verdade. Que o digam os estudiosos da Revolução Francesa, que bem sabem o que ela significou: a nova ordem, alicerçada no poder da razão, veio contestar o poder absoluto e divino da monarquia. Que o digam os pesquisadores da Segunda Guerra Mundial, que mudou o centro do poder da Europa para um novo país: os Es­tados Unidos.
Vale ainda ressaltar uma última reflexão maquiavélica que nos servirá aos propósitos destes escritos: a de que os príncipes que não percebem os ventos da mudança e não mudam seu modo de proceder têm um destino certo: a ruína.
As reflexões de Nicolau Maquiavel certamente foram úteis para que um conterrâneo seu elaborasse, quase cinco séculos depois, um dos maiores clássicos da literatura universal. Falo de “O Leopardo” (“Gat­to­pardo”), de Tomasi di Lam­pedusa. O Gattopardo “bigodudo dançando na fachada do palácio, no frontão das igrejas, no alto dos chafarizes, nos azulejos das casas” se constituía no símbolo maior da opulência de uma nobreza que se via ameaçada pela mudança, pelos novos ventos da República. Posto isso, apresentemos primeiramente o autor, para, em seguida, abordarmos o conteúdo de seus seminais escritos.
Tomasi di Lampedusa pertenceu à nobreza italiana. Du­que de Parma, príncipe de Lampedusa, lutou na Primeira Guerra Mundial. Viveu a maior parte de sua vida entre Roma e Palermo. Homem de grande cultura, tinha em mente escrever um romance sobre a decadência da nobreza da Sicília, desde os anos 1930, coisa que veio a concretizar-se somente 25 anos depois.
Lampedusa faleceu em 1957 sem conseguir publicar sua obra-prima. Motivo: editoras recusaram sua publicação. Certamente, dessa miopia editorial foi vítima outro grande escritor: Marcel Proust, com seu seminal romance, que se tornou um patrimônio da literatura universal. Trata-se de “Em Busca do Tempo Perdido”. Proust, assim como Lampedusa, teve inicialmente seus escritos recusados por uma grande editora francesa.
Postumamente publicado, o romance de Lampedusa se tornou um imenso sucesso, popularizado pelo gênio do cineasta italiano Luchino Visconti, num filme que ganhou a Palma de Ouro, do festival de Cannes, em 1963: “O Leo­pardo”. Alain Delon, Burt Lan­caster e a bela Claudia Cardinale foram as estrelas desse grande sucesso que foi o romance de Lam­pedusa nas telas.

Tradição e decadência

Na transição do século 19 para o século 20, a Itália se constituía na época numa série de principados que se rivalizavam entre si, completamente desarticulados de uma unidade nacional. Nesse contexto, era evidente a decadência da nobreza, da mesma forma que se tornava visível a ascensão de uma nova classe, endinheirada, destituída de sangue azul, mas ávida por tê-lo — ou comprá-lo.
O ambiente em que se desenvolve a narrativa de Lampedusa revela um clima árido e ao mesmo tempo de pouca higiene, expresso em passagens como essas: “Don Fabrício encontrara 13 moscas no copo de granita”, “um pesado cheiro de fezes exalava tanto das ruas quanto do vizinho quarto dos cântaros”. Eis aí o retrato de uma classe em decadência, presa aos valores da tradição.
Do ponto de vista da história da Itália, estava em andamento no seio da sociedade uma revolução comandada pelo libertador Giuseppe Garibaldi, cujo objetivo, bastante claro, era unificar o Estado italiano. A nova ordem de valores trazia embutida em si práticas eminentemente iluministas, apregoados pela Revolução Francesa. Ou seja: liberdade, igualdade e fraternidade eram os valores que os comandados de Garibaldi defendiam, procurando com isso defender a igualdade de oportunidades para todos. Inten­cionava a nova ordem unificar da Sicília ao Reino da Sardenha, bem como nomear “alguns ilustres sicilianos como senadores do reino”.
Os novos ventos revolucionários expressavam no fundo uma luta entre a tradição e a modernidade. A tradição, representada por uma nobreza saudosista e arraigada aos seus valores; a modernidade, representada pelos valores liberais da revolução garibaldiana, que os novos ricos endinheirados logo entenderam e apoiaram.
É exatamente essa transição de uma velha ordem para uma nova que se desenrola no romance de Tomasi di Lampedusa. Um ambiente repleto de saudosismo, do velho, que se ia, mas, ao mesmo tempo, da astúcia daqueles que percebiam a necessidade de se adequar à nova ordem de valores, para assim sobreviver aos ventos da mudança. Viviam-se naquela época os tempos que ficaram conhecidos na história daquele país como “Rissor­gi­mento”, que unificou o país até então imerso em pequenos reinos dominados por potências estrangeiras.

O romance em si

Os ventos originados da nova realidade revolucionária chegaram à Sicília especificamente no seio do Palácio Donnafugata, onde habitava uma família símbolo da nobreza decadente e apegada às tradições: os Salinas. Estes, se viram obrigados a lidar com um ambiente de mudanças, em cujo contexto uma nova ordem de valores estava em gestação.
Chefiava o clã o príncipe Fa­brício de Salina, marido de Stella, uma mulher de moral quase vitoriana, muito arraigada às tradições. Tais características inerentes à personalidade da esposa de Don Fabrício diretamente refletiram, ao longo dos anos, no relacionamento do casal. Para o marido, a mulher era “prepotente demais, e velha demais também […] tive sete filhos com ela, sete; e nunca vi seu umbigo”.
Inteligente, dotado de espírito científico, Don Fabrício se constituía no símbolo maior daquela nobreza falida, impotente ante as mudanças trazidas pela revolução, com seus efeitos sobre a rígida estrutura social do reino da Sicília. Fabrício era consciente de que a monarquia trazia “os sinais da morte no rosto”. Igual clareza da decadência da nobreza e do surgimento de uma nova ordem em gestação tinha também o personagem mais astuto, no sentido maquiavélico, do romance de Lampedusa: Tancredi, sobrinho de Don Fabrício.
A astúcia de Tancredi o levou a perceber a necessidade de sobrevivência numa nova realidade. “Se nós não estivermos presentes [na revolução], eles aprontam a Re­pública. Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude. Fui claro?” Cer­ta­mente, em torno dessa contradição, se centra o ponto alto da obra seminal de Tomasi de Lam­pedusa. Uma contradição percebida pelo astuto Tancredi e logo assimilada pela inteligência e racionalidade de Don Fabrício.
Para que tudo mudasse e permanecesse como estava, seria necessário cooptar integrantes da nova classe social. Esta, embora sem os títulos de nobreza dos Salina, detinha algo que eles já há muito não tinham: dinheiro. Dinheiro que possuía Don Calogero Sèdara, um plebeu rude, pai da bela Angélica, ávido por um título de nobreza. Refinada pelo dinheiro do pai, a filha de Don Calogero não deixava em certos momentos de evidenciar traços de sua origem.
A assimilação dessa nova ordem pela nobreza falida é ex­pressa com riqueza de detalhes no momento em que Don Fabrício comenta com a mulher Stella a necessidade do casamento do sobrinho Tancredi com Angélica: “Dinheiro, porém, ela vai ter; dinheiro nosso, em grande parte, mas administrado até bem demais por Don Calogero; e Tancredi precisa muito disso: é um fidalgo, é ambicioso, é gastador”. Em outra passagem, o príncipe enfatiza sua admiração pela astúcia de seu dileto sobrinho. Manifesta essa admiração no momento em que repre­ende o filho, tonto e cego de ciúmes do brilhantismo do primo, “mas papai, o senhor na certa não pode aprovar: ele foi se juntar com aqueles canalhas que alimentam a desordem na Sicília; isso não se faz”, disse o Duque de Querceta ao pai que, furioso, prontamente lhe respondeu: “Melhor fazer bobagens do que passar o dia inteiro olhando o cocô dos cavalos! Gosto de Tancredi ainda mais do que antes. E, aliás, não são bobagens. Se você puder fazer seus cartões de visita com a inscrição ‘Duque de Querceta’ e se, quando eu me for, herdar algum dinheirinho, será graças a Tancredi e a outros como ele”.
A narrativa introspectiva de Lampedusa consegue extrair de seus personagens sentimentos secretos, tão comuns a nós seres humanos. Sentimentos que muitas vezes procuramos esconder nos subterrâneos de nossa alma.
Uma das filhas do príncipe, Concetta, simboliza no romance a mesma rigidez moral de sua mãe, Stella. Apaixonada por Tancredi, Concetta carrega ao longo da vida a incapacidade de flexibilizar emoções ante o amor não correspondido do primo, que opta por se casar com Angélica. Esta, além de despertar-lhe o desejo de eros, possuía o vil metal, que o falido sobrinho de Don Fabrício não tinha. Para que tudo continuasse como estava, foi preciso que tudo mudasse. Tudo mudar significa a velha or­dem aderir aos ditames da nova ordem, representada pela unificação da Itália em torno de um novo centro de poder: Vitor Emanuelle. Nessa nova ordem, a política viria a preponderar sobre a nobreza. Nessa nova ordem, Tancredi mudaria de papel: de nobre, se tornaria político. E assim tudo continuava igual ao que era antes.
Vale enfim ressaltar os temores da igreja com o surgimento de uma nova ordem de valores. Lampedusa o faz na figura do padre Pirrone, que “discursava sobre os futuros e inevitáveis sequestros dos bens eclesiásticos; o fim do suave domínio da abadia nos arredores; o fim das sopas distribuídas durante os duros invernos”.

Os ensinamentos

Um livro, para ser considerado um clássico, tem de necessariamente obedecer a uma condição: de tempos em tempos, tem de suscitar a revisitação, pois seus escritos nunca envelhecem. Os clássicos nos ajudam a entender a vida e suas encruzilhadas. Alçar essas encruzilhadas à luz da razão certamente nos ajuda a viver melhor com nós mesmos e com as outras pessoas — sejam elas iguais ou diferente de nós.
“O Leopardo” (ou “Gatto­pardo”) é considerado, por essa razão, um clássico da literatura política. Quem o lê e entende a mensagem embutida nos escritos de Lampedusa, termina a leitura maior do que quando iniciou. É nesse sentido que os clássicos, na condição de clássicos, nos levam à reflexão e àquilo que disso resulta: o auto entendimento e a compreensão dos segredos da vida. O que importa na vida, como bem diz Guimarães Rosa, não é o fim nem o começo, mas a travessia que se faz ao longo dela.
Don Fabrício de Salina e seu dileto sobrinho Tancredi viveram esse mundo de mudanças. Per­ceberam as mudanças e tiveram astúcia para se adequarem a elas. Não se pode dizer o mesmo de Concetta e sua mãe, Stella. A rigidez moral e o apego aos valores da tradição as mantiveram presas às amarras do passado. Os valores do mundo mudaram, e elas não conseguiram dentro delas mesmas, se adequar a uma nova realidade. Stella morreu traída pelo marido, que já não se sentia por ela atraído; Concetta, tal como suas duas irmãs, permaneceu solteira e, no recanto de sua solidão, na velhice, guardava consigo lembranças do passado e de um amor não correspondido.
A vida é assim. O mundo é assim. Basta cada um de nós transportar a sábia mensagem contida nos escritos de Lampedusa para o nosso dia-a-dia. No núcleo familiar, na vida social, nas organizações em que trabalhamos. Temos de conviver com todo tipo de gente: ambiciosos, ingênuos, astutos. Viver melhor passa por esse entendimento do comportamento do ser humano. Aqui, ou em qualquer parte do mundo, é fundamental sabermos como agir nos momentos em que as turbulências chegam. Viver melhor é compreender as mudanças do mundo e a elas se adequar. Nesse sentido, “O Leopardo” nos ajuda a entender os segredos da vida, em que o poder é a força motriz de tudo.



“O Leopardo”, de Tomasi di Lampedusa, publicado postumamente e popularizado pelo gênio do cineasta italiano Luchino Visconti, narra a decadência da nobreza e a ascensão de uma nova classe na Itália do final do século 19, endinheirada, destituída de sangue azul, mas ávida para comprá-lo
Nicolau Maquiavel é o que se pode chamar de unanimidade entre os estudiosos da ciência política. Na verdade, com a publicação de seu pequeno grande livro, “O Príncipe”, foi considerado o fundador da ciência política moderna. A obra constitui uma lição de sabedoria sobre como a natureza humana se comporta diante do poder; sobre como as pessoas se revelam em sua essência diante do poder. Os ensinamentos contidos nos escritos do sábio de Florença ilustram o caminho que devem seguir os governantes para manterem seus principados.
O mal deve ser feito de uma só vez, ao passo que o bem deve ser feito aos poucos; deve-se ver a realidade tal como é, não como se deseja que seja; quem governa deve ser temido pelos adversários e amado por quem é o responsável pela sua manutenção no poder — o povo.
São ensinamentos como esses que fizeram de “O Prín­cipe” uma leitura de cabeceira de vários poderosos pelo mun­do afora. Napoleão Bona­parte, ex-imperador da França; Chur­chilL, ex-primeiro ministro da Inglaterra e Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da Re­pública do Brasil e tantos outros que surfaram nas ondas do poder sempre tiveram esse clássico da ciência política bem perto de si.
Assim, se, por um lado, ser maquiavélico se relaciona a esperteza, astúcia, a aleivosia e a maldade, por outro, de uma maneira mais ampla, os ensinados de Maquiavel constituem uma lição para políticos no que diz respeito à arte de se manter no poder.
Outro importante aspecto enfatizado pelo sábio florentino em seus escritos se refere a um momento em que uma velha ordem de valores é contestada e as sociedades entram em conflito para que surja uma nova ordem, diferente da antiga. Para ele, “devemos convir que não há coisa mais difícil de se fazer, mais duvidosa de se alcançar, ou mais perigosa de se manejar do que ser o introdutor de uma nova ordem, porque quem o é tem por inimigos to­dos aqueles que se beneficiam com a antiga ordem, e como tímidos defensores todos aqueles a quem as novas instituições beneficiariam”.
Momentos assim são difíceis, não só porque geram instabilidades, mas sobretudo porque, na maioria das vezes, são como um pontapé numa já podre porta. Na maioria das vezes, tais situações exigem derramamento de sangue. É daí que surgem as guerras e as revoluções. A história está aí para nos mostrar que isso é uma verdade. Que o digam os estudiosos da Revolução Francesa, que bem sabem o que ela significou: a nova ordem, alicerçada no poder da razão, veio contestar o poder absoluto e divino da monarquia. Que o digam os pesquisadores da Segunda Guerra Mundial, que mudou o centro do poder da Europa para um novo país: os Es­tados Unidos.
Vale ainda ressaltar uma última reflexão maquiavélica que nos servirá aos propósitos destes escritos: a de que os príncipes que não percebem os ventos da mudança e não mudam seu modo de proceder têm um destino certo: a ruína.
As reflexões de Nicolau Maquiavel certamente foram úteis para que um conterrâneo seu elaborasse, quase cinco séculos depois, um dos maiores clássicos da literatura universal. Falo de “O Leopardo” (“Gat­to­pardo”), de Tomasi di Lam­pedusa. O Gattopardo “bigodudo dançando na fachada do palácio, no frontão das igrejas, no alto dos chafarizes, nos azulejos das casas” se constituía no símbolo maior da opulência de uma nobreza que se via ameaçada pela mudança, pelos novos ventos da República. Posto isso, apresentemos primeiramente o autor, para, em seguida, abordarmos o conteúdo de seus seminais escritos.
Tomasi di Lampedusa pertenceu à nobreza italiana. Du­que de Parma, príncipe de Lampedusa, lutou na Primeira Guerra Mundial. Viveu a maior parte de sua vida entre Roma e Palermo. Homem de grande cultura, tinha em mente escrever um romance sobre a decadência da nobreza da Sicília, desde os anos 1930, coisa que veio a concretizar-se somente 25 anos depois.
Lampedusa faleceu em 1957 sem conseguir publicar sua obra-prima. Motivo: editoras recusaram sua publicação. Certamente, dessa miopia editorial foi vítima outro grande escritor: Marcel Proust, com seu seminal romance, que se tornou um patrimônio da literatura universal. Trata-se de “Em Busca do Tempo Perdido”. Proust, assim como Lampedusa, teve inicialmente seus escritos recusados por uma grande editora francesa.
Postumamente publicado, o romance de Lampedusa se tornou um imenso sucesso, popularizado pelo gênio do cineasta italiano Luchino Visconti, num filme que ganhou a Palma de Ouro, do festival de Cannes, em 1963: “O Leo­pardo”. Alain Delon, Burt Lan­caster e a bela Claudia Cardinale foram as estrelas desse grande sucesso que foi o romance de Lam­pedusa nas telas.

Tradição e decadência

Na transição do século 19 para o século 20, a Itália se constituía na época numa série de principados que se rivalizavam entre si, completamente desarticulados de uma unidade nacional. Nesse contexto, era evidente a decadência da nobreza, da mesma forma que se tornava visível a ascensão de uma nova classe, endinheirada, destituída de sangue azul, mas ávida por tê-lo — ou comprá-lo.
O ambiente em que se desenvolve a narrativa de Lampedusa revela um clima árido e ao mesmo tempo de pouca higiene, expresso em passagens como essas: “Don Fabrício encontrara 13 moscas no copo de granita”, “um pesado cheiro de fezes exalava tanto das ruas quanto do vizinho quarto dos cântaros”. Eis aí o retrato de uma classe em decadência, presa aos valores da tradição.
Do ponto de vista da história da Itália, estava em andamento no seio da sociedade uma revolução comandada pelo libertador Giuseppe Garibaldi, cujo objetivo, bastante claro, era unificar o Estado italiano. A nova ordem de valores trazia embutida em si práticas eminentemente iluministas, apregoados pela Revolução Francesa. Ou seja: liberdade, igualdade e fraternidade eram os valores que os comandados de Garibaldi defendiam, procurando com isso defender a igualdade de oportunidades para todos. Inten­cionava a nova ordem unificar da Sicília ao Reino da Sardenha, bem como nomear “alguns ilustres sicilianos como senadores do reino”.
Os novos ventos revolucionários expressavam no fundo uma luta entre a tradição e a modernidade. A tradição, representada por uma nobreza saudosista e arraigada aos seus valores; a modernidade, representada pelos valores liberais da revolução garibaldiana, que os novos ricos endinheirados logo entenderam e apoiaram.
É exatamente essa transição de uma velha ordem para uma nova que se desenrola no romance de Tomasi di Lampedusa. Um ambiente repleto de saudosismo, do velho, que se ia, mas, ao mesmo tempo, da astúcia daqueles que percebiam a necessidade de se adequar à nova ordem de valores, para assim sobreviver aos ventos da mudança. Viviam-se naquela época os tempos que ficaram conhecidos na história daquele país como “Rissor­gi­mento”, que unificou o país até então imerso em pequenos reinos dominados por potências estrangeiras.

O romance em si

Os ventos originados da nova realidade revolucionária chegaram à Sicília especificamente no seio do Palácio Donnafugata, onde habitava uma família símbolo da nobreza decadente e apegada às tradições: os Salinas. Estes, se viram obrigados a lidar com um ambiente de mudanças, em cujo contexto uma nova ordem de valores estava em gestação.
Chefiava o clã o príncipe Fa­brício de Salina, marido de Stella, uma mulher de moral quase vitoriana, muito arraigada às tradições. Tais características inerentes à personalidade da esposa de Don Fabrício diretamente refletiram, ao longo dos anos, no relacionamento do casal. Para o marido, a mulher era “prepotente demais, e velha demais também […] tive sete filhos com ela, sete; e nunca vi seu umbigo”.
Inteligente, dotado de espírito científico, Don Fabrício se constituía no símbolo maior daquela nobreza falida, impotente ante as mudanças trazidas pela revolução, com seus efeitos sobre a rígida estrutura social do reino da Sicília. Fabrício era consciente de que a monarquia trazia “os sinais da morte no rosto”. Igual clareza da decadência da nobreza e do surgimento de uma nova ordem em gestação tinha também o personagem mais astuto, no sentido maquiavélico, do romance de Lampedusa: Tancredi, sobrinho de Don Fabrício.
A astúcia de Tancredi o levou a perceber a necessidade de sobrevivência numa nova realidade. “Se nós não estivermos presentes [na revolução], eles aprontam a Re­pública. Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude. Fui claro?” Cer­ta­mente, em torno dessa contradição, se centra o ponto alto da obra seminal de Tomasi de Lam­pedusa. Uma contradição percebida pelo astuto Tancredi e logo assimilada pela inteligência e racionalidade de Don Fabrício.
Para que tudo mudasse e permanecesse como estava, seria necessário cooptar integrantes da nova classe social. Esta, embora sem os títulos de nobreza dos Salina, detinha algo que eles já há muito não tinham: dinheiro. Dinheiro que possuía Don Calogero Sèdara, um plebeu rude, pai da bela Angélica, ávido por um título de nobreza. Refinada pelo dinheiro do pai, a filha de Don Calogero não deixava em certos momentos de evidenciar traços de sua origem.
A assimilação dessa nova ordem pela nobreza falida é ex­pressa com riqueza de detalhes no momento em que Don Fabrício comenta com a mulher Stella a necessidade do casamento do sobrinho Tancredi com Angélica: “Dinheiro, porém, ela vai ter; dinheiro nosso, em grande parte, mas administrado até bem demais por Don Calogero; e Tancredi precisa muito disso: é um fidalgo, é ambicioso, é gastador”. Em outra passagem, o príncipe enfatiza sua admiração pela astúcia de seu dileto sobrinho. Manifesta essa admiração no momento em que repre­ende o filho, tonto e cego de ciúmes do brilhantismo do primo, “mas papai, o senhor na certa não pode aprovar: ele foi se juntar com aqueles canalhas que alimentam a desordem na Sicília; isso não se faz”, disse o Duque de Querceta ao pai que, furioso, prontamente lhe respondeu: “Melhor fazer bobagens do que passar o dia inteiro olhando o cocô dos cavalos! Gosto de Tancredi ainda mais do que antes. E, aliás, não são bobagens. Se você puder fazer seus cartões de visita com a inscrição ‘Duque de Querceta’ e se, quando eu me for, herdar algum dinheirinho, será graças a Tancredi e a outros como ele”.
A narrativa introspectiva de Lampedusa consegue extrair de seus personagens sentimentos secretos, tão comuns a nós seres humanos. Sentimentos que muitas vezes procuramos esconder nos subterrâneos de nossa alma.
Uma das filhas do príncipe, Concetta, simboliza no romance a mesma rigidez moral de sua mãe, Stella. Apaixonada por Tancredi, Concetta carrega ao longo da vida a incapacidade de flexibilizar emoções ante o amor não correspondido do primo, que opta por se casar com Angélica. Esta, além de despertar-lhe o desejo de eros, possuía o vil metal, que o falido sobrinho de Don Fabrício não tinha. Para que tudo continuasse como estava, foi preciso que tudo mudasse. Tudo mudar significa a velha or­dem aderir aos ditames da nova ordem, representada pela unificação da Itália em torno de um novo centro de poder: Vitor Emanuelle. Nessa nova ordem, a política viria a preponderar sobre a nobreza. Nessa nova ordem, Tancredi mudaria de papel: de nobre, se tornaria político. E assim tudo continuava igual ao que era antes.
Vale enfim ressaltar os temores da igreja com o surgimento de uma nova ordem de valores. Lampedusa o faz na figura do padre Pirrone, que “discursava sobre os futuros e inevitáveis sequestros dos bens eclesiásticos; o fim do suave domínio da abadia nos arredores; o fim das sopas distribuídas durante os duros invernos”.

Os ensinamentos

Um livro, para ser considerado um clássico, tem de necessariamente obedecer a uma condição: de tempos em tempos, tem de suscitar a revisitação, pois seus escritos nunca envelhecem. Os clássicos nos ajudam a entender a vida e suas encruzilhadas. Alçar essas encruzilhadas à luz da razão certamente nos ajuda a viver melhor com nós mesmos e com as outras pessoas — sejam elas iguais ou diferente de nós.
“O Leopardo” (ou “Gatto­pardo”) é considerado, por essa razão, um clássico da literatura política. Quem o lê e entende a mensagem embutida nos escritos de Lampedusa, termina a leitura maior do que quando iniciou. É nesse sentido que os clássicos, na condição de clássicos, nos levam à reflexão e àquilo que disso resulta: o auto entendimento e a compreensão dos segredos da vida. O que importa na vida, como bem diz Guimarães Rosa, não é o fim nem o começo, mas a travessia que se faz ao longo dela.
Don Fabrício de Salina e seu dileto sobrinho Tancredi viveram esse mundo de mudanças. Per­ceberam as mudanças e tiveram astúcia para se adequarem a elas. Não se pode dizer o mesmo de Concetta e sua mãe, Stella. A rigidez moral e o apego aos valores da tradição as mantiveram presas às amarras do passado. Os valores do mundo mudaram, e elas não conseguiram dentro delas mesmas, se adequar a uma nova realidade. Stella morreu traída pelo marido, que já não se sentia por ela atraído; Concetta, tal como suas duas irmãs, permaneceu solteira e, no recanto de sua solidão, na velhice, guardava consigo lembranças do passado e de um amor não correspondido.
A vida é assim. O mundo é assim. Basta cada um de nós transportar a sábia mensagem contida nos escritos de Lampedusa para o nosso dia-a-dia. No núcleo familiar, na vida social, nas organizações em que trabalhamos. Temos de conviver com todo tipo de gente: ambiciosos, ingênuos, astutos. Viver melhor passa por esse entendimento do comportamento do ser humano. Aqui, ou em qualquer parte do mundo, é fundamental sabermos como agir nos momentos em que as turbulências chegam. Viver melhor é compreender as mudanças do mundo e a elas se adequar. Nesse sentido, “O Leopardo” nos ajuda a entender os segredos da vida, em que o poder é a força motriz de tudo.






Aspectos políticos de “O Leopardo” de Tomasi di Lampedusa

André Del Grossi Assumpção [i]


RESUMO: “O Leopardo” de Tomasi di Lampedusa é romance histórico-político que ilustra a composição de interesses entre a velha nobreza siciliana e a burguesia nascente. Conceitos usados por Bobbio, como o de poder político, econômico e ideológico são perfeitamente aplicados ao texto. Antes conexas que isoladas, estas formas do poder se completam. O Dom Fabrizio da obra de Lampedusa é o patrão de muitos empregados, é um intelectual próximo à Igreja local, detém apoio armado da monarquia. A passagem destes elementos à burguesia transfere poder e força-o, como a todos os outros nobres de seu tempo, a transigir amargamente.

A obra de Lampedusa
Quando Giusepe Tomasi, príncipe de Lampedusa, escreveu sua obra prima na década de cinqüenta deste século, tinha perfeita consciência da carga histórica que ela trazia. Publicamente manifestou em vida o desejo de escrever sobre a Sicília de seu bisavô paterno, Giulio di Lampedusa, astrônomo como o Dom Fabrizio de seu livro, provavelmente tão desapontado com os acontecimentos de seu tempo quanto o personagem da Casa dos Salina. Portanto, a história de Dom Fabrizio, sua decadência e a de sua família; o enlace de Tancredi com Angelica, filha do burguês ascendente; a solidão da filha Concetta, tudo isso tem enquadramento num momento determinado. Esse momento é o da adesão siciliana à unificação da Itália na segunda metade do século XIX, descritas as condições em que se inicia a ação de Garibaldi, desembarcando na ilha com seus revoltosos camisas vermelhas e sendo depois afastado de um governo que interrompe diversas das reformas a que se propunha o movimento, quando assume a dinastia dos Savóia.Como texto histórico, para além da prosa de ficção, o livro do príncipe de Lampedusa pode ser também estudado sob o ângulo político. Na leitura de “O Leopardo” observaram-se conceitos apresentados por Norberto Bobbio em “O Significado de Política”. Mais do que procurar a semântica da palavra, Bobbio apresenta os elementos de constituição do que vem a ser política. E o estudo do poder e dos fins da política dão o tom à análise de personagens e fatos no texto do romancista.  De um lado temos uma classe política em transição e ajustamento, de outro o estudo da atividade política voltado para certos objetivos. Aliás, a ordem e a estabilidade estão no centro dos acontecimentos do romance, onde tudo muda para que nada mude, buscada no caso uma determinada ordem em especial, aquela que garante a sobrevivência imediata da aristocracia.
Política e leopardos
O termo “política” é na Idade Moderna ligado a ações como “conquistar, manter, defender, ampliar, reforçar, abater, derrubar o poder estatal etc.” (Bobbio, O Significado..., p.6). Maquiavel é exemplo dessa nova disposição. Entendida assim como realização humana, a política está intimamente ligada ao poder, compreendido este como a posse dos meios, seja o domínio sobre outros ou sobre a natureza, para que na relação entre as pessoas se possa obter os efeitos desejados. É, assim, o poder de um homem sobre outro homem, possível em diversas formas; algo que na história dos Salina se evidencia. Na verdade o poder político é só uma das formas de poder. Na tradição clássica destacam-se o poder paterno, o despótico e o político. No jusnaturalismo de Locke apresentam-se o poder paterno, o poder despótico e poder civil. No entanto, mais científico é buscar a classificação usando por critério o meio usado pelo “sujeito ativo da relação para condicionar o comportamento do sujeito passivo”, de onde surgem três principais classes de poder. O primeiro é o poder econômico, que se pauta na posse de certos bens que, por sua escassez, induz outrem ao trabalho como condição de obtê-los. Outro é o poder ideológico, baseado na influência de alguém revestido de autoridade suficiente (sacerdotes, cientistas, intelectuais) para inculcar com eficiência suas idéias. Diferente destes é o poder político, que se apóia sobre a posse dos meios para o exercício da força física, poder de coação no seu sentido mais estrito. São as três formas juntas que normalmente fundam o poder num grupo social, advindas de subsistemas ao sistema social, respectivamente a organização das forças produtivas, a organização do consenso e a organização da coação. Prima o poder político, pois a ameaça de violência é sabidamente o derradeiro recurso da dominação.
Mas a atividade política não é orientada somente pela busca maquiavélica de poder. O poder pelo poder é a forma degenerada daquilo que, na realidade, tem tantos fins quantas são as metas definidas por um grupo específico. Se Lampedusa apresenta senhores ávidos por interromper o progresso “excessivo” das revoltas que se viam, então vemos claro o objetivo da manutenção de uma ordem, a saber, a ordem que tradicionalmente existe. Mas é clara a má-vontade do príncipe Salina quanto a qualquer tipo de mudança, pois qualquer alteração interfere inevitavelmente na sua condição aristocrática já tão ofendida. Situação em que o príncipe vê-se alijado de decisões que lhe dizem respeito, atividade política na qual o maior objetivo de sua classe é conservar-se. A previsão de um espaço acanhado no novo governo gera essa grande indisposição. Faz lembrar as diversas invasões que a ilha já sofreu. E talvez agora o destino de um Salina seja pior, entendido que não lhe será deixado seu pequeno domínio particular, formado por seus privilégios postos sobre suas terras. Essa indisposição que Dom Fabrizio externa, atribui mesmo a todos os sicilianos ao falar da natural imobilidade de seu povo. Nesse sentido é significativa a visita de Aimone Chevalley di Monterzuolo, secretário da prefeitura, a convidar o príncipe para o cargo de senador do novo Reino da Itália. O príncipe não o aceita porque, como explica,
“nós, os sicilianos, habituamo-nos durante uma longa, muito longa hegemonia de governantes que não eram da nossa religião, que não falavam a nossa língua, a mil sutilezas. Quem não fazia isto não podia escapar aos exatores bizantinos, aos emires berberes, aos vice-reis espanhóis. Agora fomos dobrados de novo, somos assim feitos. Disse adesão, não disse ‘participação’. Nestes seis últimos meses, desde que o Garibaldi dos senhores pôs o pé em Marsala, foram feitas demasiadas coisas sem nos consultarem para que se possa agora vir pedir a um membro da velha classe dirigente que as tome em mãos e as tome em bom termo. Não quero discutir neste momento se o que se fez foi mal ou bom; por minha conta, acho que muitas coisas foram más; (...) Na Sicília não importa fazer mal ou fazer bem: o pecado que nós, sicilianos, não perdoamos nunca é simplesmente o de ‘fazer’. Somos velhos, Chevalley, terrivelmente velhos. (...) Não o digo para lamentar-me: a culpa é nossa. Mas, de qualquer maneira, estamos cansados e vazios.” (LAMPEDUSA:1963, p.109).
E ainda diria :  “o sono (...) é o que os sicilianos querem, e eles odiarão sempre a quem quiser despertá-los, nem que seja  para lhes trazer os mais belos presentes; e, aqui entre nós, tenho fortes dúvidas de que o novo regime tenha muitos presentes para nós em sua bagagem” (LAMPEDUSA:1963, p.110).
E aí o fim da articulação política entre burguesia e aristocracia é a manutenção da ordem econômica, primordialmente dos grandes patrimônios. É o elo que une nova e antiga classes dominantes, no momento determinado. A despeito de instantes específicos, Bobbio ensina que a segurança interna e externa e a ordem pública são o fim mínimo de qualquer política; ao qual se integra como instrumento o monopólio da força.
Ao acatarmos a definição de política de Schmit, relação amigo-inimigo, destacam-se as relações de antagonismo entre homens e grupos sociais. No romance em questão a oposição formadora da política é basicamente entre burguesia e velha nobreza, mas, ainda observando sobre o ponto de vista de amizade e inimizade, podemos apontar que a união entre esses grupos na instalação do novo governo responde a interesses conjunturais, do momento. As classes mais fortes compõem-se para afastar um inimigo comum: as camadas mais baixas e suas aspirações. Por isso as propostas mais corajosas no campo social não são concretizadas ao fim de tudo. Não devemos aceitar a existência das ditas “necessidades históricas”, onde não sobra ao homem o arbítrio político, mas na naquele instante o príncipe tinha apenas duas prováveis conclusões dos fatos, garantir algum espaço junto à burguesia ou arriscar-se à República. Quando cabe ao príncipe escolher, a escolha já está feita, é ineficaz evitar que a burguesia avance. É possível, porém, evitar que os fatos desemboquem numa República, demasiadamente popular, algo ainda mais repulsivo para a nobreza que a aliança com os capitalistas. 
A política e o social, ou Estado e sociedade civil, como diz Bobbio, são mais apartados à medida que a atividade mercantil burguesa se desenvolve. Em “O Leopardo”, estamos vivendo já a consolidação de uma nova realidade estabelecida pela Revolução Industrial, em outros países da Europa e mesmo em alguns Estados italianos continentais. Os liberais do texto do príncipe de Lampedusa estão integrados nessa nova concepção de Estado. Onde a liberdade de iniciativa requer menor interferência, e onde já não cabem privilégios de nobreza feudal. Os Salina serão igualados a Dom Calógero na sua capacidade de juntar a si os fatores de poder.  Ao mesmo tempo se completa o impedimento da interferência desmedida da Moral junto ao governo. É de se lembrar que o principal alvo dos liberais são as terras da Santa Madre Igreja, o que não pareceria justo aos mais religiosos. Em nome da sobrevivência, podem-se ver nobres como Salina manifestarem vontade contrária à sua consciência, votando diferente do que diria a fidelidade ao rei. Mesmo os males de uma guerra são justificados porque “em contrapartida, teremos liberdade, segurança, menores impostos, facilidades, comércio, todos ficaremos melhor; só os padres vão perder”(LAMPEDUSA:1963, p.36).
Unificação italiana: a Política à época de Dom Fabrizio
A Sicília é a maior ilha do Mediterrâneo, separada da Itália continental pelo estreito de Messina. Sua localização incitou a cobiça estrategista estrangeira desde as mais antigas datas. Houve invasões gregas, cartaginesas, romanas e sarracenas (de muçulmanos norte-africanos). O clima mediterrâneo é ameno mas o solo siciliano é em geral pobre e no verão torna-se ressecado pela falta de chuvas, quando até mesmo os rios secam. Esta situação, que as modernas técnicas de irrigação só começam a alterar a partir de meados deste século XX, é bem evidenciada na obra de Lampedusa, principalmente nas descrições de Donnafugata, propriedade familiar do príncipe, onde a falta de água é patente e os poços servem tanto como fonte como cemitério de animais.
Vários foram os momentos de prosperidade na história da ilha, mas longo foi seu subdesenvolvimento. Desde o século XV as terras foram divididas em grandes propriedades que pertenciam a poucas famílias. As indústrias sempre foram, até a Segunda Guerra, raras, quase não as havia. Os fazendeiros praticavam uma agricultura sob métodos antiquados e faziam poucos esforços para evitar a erosão do solo. Daí a pobreza ser um dos males mais inquietantes entre a maioria da população, reforçando o poder econômico dos proprietários. Dom Fabrizio é um desses grandes proprietários, e seu poder, nas formas do texto de Bobbio, vem diretamente da propriedade, em pleno acordo com a tradição feudal, em que o proprietário tem direito até sobre aqueles que sobre suas terras se instalam.
Em 1848 diversas revoltas despontaram na Áustria, França, vários Estados germânicos e todas as cidades importantes da Itália.  Sardenha e Nápoles ganharam Constituições, Milão expulsou os exércitos austríacos, novas Repúblicas surgiram em Veneza, Roma e Toscana. No ano seguinte a Áustria controlou as rebeliões. Vítor Emanuel II assume o trono da Sardenha. E o rei de Nápoles, Fernando II da Casa Bourbon, então fugido para a Sicília, parte integrante do Reino das Duas Sicílias, cancela a Constituição e tenta restabelecer seu absolutismo. Com a ajuda da França o Papa retoma para si Roma. As revoluções parecem terminadas. Mas a Sardenha manteve sua Constituição e a bandeira tricolor, símbolo do patriotismo italiano. Ao que parece é bandeira essa que Tancredi de “O Leopardo” promete trazer de suas campanhas junto aos liberais.
O primeiro-ministro Cavour da Sardenha trabalhou para projetar a imagem de um Estado progressista e independente, tomando a posição de porta-voz da Itália contra a Áustria. Essa liderança irritou os austríacos que abriram guerra, cedendo, porém, à resistência dos soldados italianos unidos aos franceses. Porém, Napoleão III da França estava descontente pelo que julgava excessivo poder da Sardenha afinal, e retira seu apoio. E quando Garibaldi, veterano da Guerra dos Farrapos, aqui no Brasil, avançou por mar sobre a Sicília com seus mil “camisas vermelhas”, vencendo as tropas napolitanas e alcançando o continente, a Sardenha de Cavour temeu que o ataque a Roma trouxesse França e Áustria contra eles. Medo ainda maior era o de que Garibaldi conseguisse estabelecer na Itália uma República, e não a Monarquia que se esperava. Então as tropas garibaldinas foram barradas pelas de Cavour. Vítor Emanuel II, dinastia de Savóia, proclamou o reino da Itália, em 1861. O povo aprovou a unificação através de um plebiscito, descrito no romance de que tratamos. De qualquer modo consumada a anexação do território, e convencido da necessidade de apoiar naquele momento os liberais, Dom Fabrizio havia difundido entre os seus o voto de “sim”.  No entanto a conversa com Dom Ciccio mostra-o que houve votos pelo “não”. Ele mesmo não se sente bem em votar a favor da unificação mas “nem mesmo concebia que se pudesse proceder de outra forma: “quer porque se estava perante um fato consumado, quer por respeito à teatral banalidade do ato; acrescenta-se ainda a necessidade histórica, e o receio pelas desgraças que aconteceriam às pessoas humildes se a sua atitude negativa fosse descoberta.”(LAMPEDUSA:1963, p.88). Se muitas pessoas não votaram o “sim” teria sido porque “havia entrado em jogo o maquiavelismo abstrato dos sicilianos que tantas vezes induzia essa gente (...)”, “Como clínicos muito hábeis que se tivessem baseado em análises de sangue e urina totalmente falseadas, e cuja correção não fizessem por preguiça excessiva, os sicilianos (de então) acabavam por matar o doente, ou seja, a si próprios, precisamente pela sua astúcia, quase nunca apoiada no conhecimento real dos problemas ou dos interlocutores.”(LAMPEDUSA:1963, p.88), “Alguns destes (...) julgavam impossível que um Príncipe de Salina pudesse votar a favor da Revolução (...) e interpretavam os seus raciocínios como ditos irônicos”. Aqueles que acreditaram no voto do príncipe consideraram-no insensato, “convencidos a não lhe dar ouvidos e obedecer, pelo contrário, ao provérbio milenar, que aconselha a preferir um mal já conhecido a um bem não experimentado”(LAMPEDUSA:1963, p.89), votando o “não” por essa razão ou por motivos pessoais de outra ordem.
A situação antes fragmentada da Itália não interessava aos objetivos comerciais dos burgueses italianos. Por isso liberais como Dom Calógero são essenciais na movimentação revolucionária. O continente, a partir de 1830, passa a acompanhar importante desenvolvimento industrial, e os investidores, principalmente dos Estados italianos mais avançados, sentiram necessidade de prover a centralização que expandiria seus negócios. Porém, esta classe sentia-se receosa quanto à instalação dos ideais republicanos. Não tinham ainda força suficiente para tomar para si o comando do governo. Assim, evitando as mudanças estruturais que a ameaçassem como classe proprietária, a burguesia busca a monarquia constitucional que pudesse com mais segurança desenvolver a economia. Ainda é a propriedade, e as rendas, que moldam a política do novo Estado, embora tudo tenha uma nova face. O verdadeiro maquiavelismo, como ação isenta da moral que deveria reger as ações individuais, foi  usar a população mais simples para atingir vitórias sem jamais pensar nas reformas que esta reclamava. Assim é demonstrado quando chegam Tancredi e seu amigo Cavriaghi à casa dos Salina, dirigindo-se ao príncipe: “Não se fala mais em garibaldinos, Tiozão. Nós fomo-lo, mas acabou-se. Cavriaghi e eu, graças a Deus, somos oficiais do exército regular de Sua Majestade, Rei da Sardenha por alguns meses ainda, da Itália dentro de pouco tempo. Quanto ao exército de Garibaldi, foi dissolvido e mandaram-nos escolher: ou voltar para casa, ou ficar nos exércitos do rei. Ele e eu, como muitos outros, entramos no exército, no ‘verdadeiro’ ” (LAMPEDUSA:1963, p. 122).
Marcantes as declarações emocionadas de Dom Ciccio Tumeo: “Há muito pano para manga para traficantes como Sedàra, para quem o lucro é uma lei da natureza. Para nós, a arraia miúda, as coisas ficam na mesma” e continua “Era ‘súdito fiel’, virei um ‘bourbônico sujo’. Agora toda a gente é ‘saboiana’!” (LAMPEDUSA:1963, p.94).
O poder econômico: as Revoluções
A história dos Salina é a todo momento apresentada segundo símbolos. A função de cada representação é elevar o enredo ao seu plano original, a história real da Itália. Assim, o casamento de Tancredi e Angélica quer dizer mais do que o casamento destas personagens, refere-se à articulação entre a antiga nobreza feudal e a burguesia ascendente. A “pílula amarga” que o Príncipe engoliu foi na verdade engolida por muitos nobres contemporâneos seus, e é isso que o autor quer nos trazer. Assim como os burgueses evitam avanços “demasiados” na sua política liberal, apoiando uma unificação monárquica. Também os aristocratas são impulsionados a participarem de uma aliança que sabem ser um duro golpe ao seu poder, mas necessária para evitar uma queda absoluta pelas mãos dos mais entusiásticos liberais. Da mesma forma a submissão do padre Pirrone a Dom Fabrizio não remete a outra coisa senão à relação entre a religião e os grandes senhores, situação que até a última página do livro é alterada, desfecho também mostrado de forma simbólica.
Conforme escreve Bobbio, embora seja o fator político de força o único capaz de, em última instância, fazer resistir um Estado, é de se notar que o fator econômico é muito significativo. O poder ideológico pode ser melhor exercido se acompanhado pela superioridade econômica. A violência poderá ser invocada com maior sucesso se houver recursos financeiros que possibilitem isso. Sendo a conjugação entre eles  que possibilitou e tem possibilitado a dominação por um ou outro grupo, tais fatores estão também presentes na família Salina. Primeiro é de se lembrar que a Sicília, embora tenha prosperado muitas vezes em sua longa história, tornou-se economicamente subdesenvolvida a partir do século XV. A maior parte das terras foi dividida em grandes propriedades, que pertenciam a um pequeno número de pessoas. As pessoas se empregavam no campo. Reforçam-se os laços de dependência entre a população miserável das “villas” e aqueles que têm o poder econômico.
Na Sicília da época a passagem do dinheiro dos aristocratas aos burgueses  representa, portanto, passagem de poder. Dom Calógero é extremamente avarento, mas, “quando é preciso, sabe gastar; e porque cada ‘tari’ que se gasta neste mundo vai parar nos bolsos de alguém, acontece que neste momento muita gente depende dele” (LAMPEDUSA:1963, p.97). Aqui não está outra coisa senão a descrição do poder econômico tratado por Bobbio. E se ao burguês se deve a perda de poder dos nobres, é ao mesmo Dom Calógero , “às suas intrigas obscuras, à sua avareza e avidez tenazes que se devia o sentido de morte que, agora, claramente, ensombrecia estes palácios”. (.P.179). Juntamente com a riqueza crescia também a influência política: “tornara-se chefe dos liberais na povoação e até nos lugares vizinhos; quando se fizessem as eleições tinha a certeza de que seria feito deputado.”(LAMPEDUSA:1963, p.58).  O príncipe chega a ironicamente recomendá-lo ao Senado: “Ele tem mais méritos que eu (...); mais do que aquilo que o senhor chama prestígio, ele tem o poder” (LAMPEDUSA:1963, p.110).  E a idéia de apresentar-se inferior assusta a Dom Fabrizio:  “ Não só ele, o príncipe, não era já o maior proprietário de Donnafugata, como era obrigado a receber em traje de tarde um convidado que se apresentava em traje de cerimônia.” (LAMPEDUSA:1963, p.67).
É essencial considerar a situação de um príncipe como Dom Fabrizio, suas posses são antigas, passaram por aquele reforço do feudalismo no século XV, como dissemos.  Aí se insere o atraso da região em relação às outras áreas da Europa e ainda a cidades italianas como Florença, refúgios de idéias republicanas, destacadando-se ainda nos primórdios do Renascimento. O poder do Príncipe vem de sua propriedade, sobre terras e também sobre pessoas que nelas vivam. Exerce o poder em seu direito de dono. As “villas” pertenciam ao senhor e eram apenas administradas por um síndico. Os principados da ilha não resistiriam às intenções liberais que ideário da República trazia. Já decadentes, os príncipes sabem, contudo, que somente com a manutenção de algumas distinções é que poderão sobreviver. Por isso negam seus laços com o monarca e apóiam os liberais. O trecho que melhor representa essa intenção é a argumentação de Tancredi ao seu tio quando parte para integrar os exércitos liberais, em favor da unificação. “Do lado do rei, com certeza, mas de que rei?” e “Se nós não estivermos lá, eles fazem uma República. Se quisermos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude”(LAMPEDUSA:1963, p.32).  Sobre o grifo que fizemos existe a referência à necessidade de projetar alterações para evitar mudanças significativas, fator maior de interesse político nas classes da obra de Lampedusa. Significa exatamente o reconhecimento do fortalecimento dos liberais. É também o mesmo critério que diferencia “Revoluções” e “revoluções”. As verdadeiras Revoluções alteram a base do sistema, mudam essencialmente as relações que caracterizam a organização social. Pretensiosas revoluções são aquelas que tratam da simples substituição de governos ou relações superficiais, sem interferir naquelas que realmente formam a base da construção social. A idéia de que as coisas não mudam prevê a sobrevivência da aristocracia. Pensamos que a história contada por Lampedusa pode ser entendida tanto por um como por outro ponto de vista. Não é Revolução se considerarmos que já era consagrada a atividade capitalista em desfavor do feudalismo e a unificação não alterará  a relação que as elites têm com a propriedade e a riqueza. Mas será uma Revolução se considerarmos que naquele momento se completa na Sicília o que já ocorrera em outras nações, a longa transição do feudalismo ao capitalismo. Os desgastes são calculados e melhor que deter-se fiel a um rei sem perspectivas é participar da atividade revolucionária e, terminados os confrontos, ter meios para barganhar junto ao novo rei por alguma segurança ao velho patrimônio. Tudo muda, mas na essência tudo fica como antes.  Não é desapercebido, porém, o fato de que os nobres não teriam jamais o poder que já tiveram. Isso porque:
“As riquezas com muitos séculos de existência haviam-se transformado em arrebiques, em luxo, em prazeres, e nada mais; a abolição dos direitos feudais decapitara ao mesmo tempo as obrigações e os privilégios; a riqueza, como um vinho velho, deixava cair no fundo da pipa as bôrras da cobiça, dos cuidados, e mesmo as da prudência, para conservar apenas o calor e a côr. E assim, acabava por se destruir a si própria: esta riqueza, que havia atingido o seu objetivo, compunha-se agora apenas de essências e, como essências, evaporava-se ràpidamente. E já algumas daquelas propriedades de ar festivo haviam levantado vôo e delas restavam apenas telas pintalgadas e os seus nomes. Outras pareciam aquelas andorinhas de setembro que, embora ainda presentes, já estão reunidas em grande gritaria nas árvores, prestes a partir. Mas eram tantas...; parecia que jamais poderiam acabar.” (LAMPEDUSA:1963, p.33).
É a consciência da degradação, aliada a uma boa dose de egoísmo, que proporciona o ajuste com os liberais no novo governo “Para nós, um paliativo que nos garanta mais cem anos de vida equivale à eternidade”.(LAMPEDUSA:1963, p.41). Isso reforçado pela já referida convicção de que nessa disputa ocorrerão “Negociações ao ritmo de descargas inofensivas. Depois tudo ficará na mesma, embora tudo tenha mudado.”(LAMPEDUSA:1963, p.34).

“Afinal, esta gente, êstes liberais do campo queriam, apenas, poder enriquecer mais fàcilmente. Era tudo. A andorinhas iriam levantar vôo mais cedo. E nada mais. De resto havia ainda muitas no ninho. (...) Muita coisa iria acontecer mas tudo seria uma comédia; uma ruidosa e romântica comédia com algumas gotas de sangue nas roupas burlescas. A Itália era o país dos reajustamentos, não havia nela a fúria francesa; mas também que havia acontecido de novo em França com exceção do movimento revolucionário de junho de 48?”(LAMPEDUSA:1963, p.37).
O poder político
Luigi Banzini, autor dos textos agrupados em “Os Italianos”, aponta quatro grandes males que caracterizaram, no seu modo de ver, a configuração do povo italiano.
O primeiro deles é a pobreza, marcante a concentração de riquezas. Em segundo temos a ignorância, que afasta o povo comum dos embates pelos rumos da política. Em terceiro vem a injustiça. Por todos os lugares da Itália há marcas de brutalidade e impunidade. Histórias de injustiças na atrasada Sicília são os instrumentos de Tancredi para divertir-se com os temores do secretário da prefeitura, Chevalley di Monterzuolo, quando os visita para convidar o príncipe ao cargo de senador. Em quarto aparece o medo. Cada uma destas mazelas tem seu espaço na sociedade italiana, mas, como escreveu Banzini, o medo é fator mais destacado, tanto mais porque se forma a partir da conjugação dos outros problemas, derivando-se deles.  Do mesmo modo encontramos as colocações de Bobbio aplicada ao texto de Lampedusa. O mal da pobreza é a fonte do poder econômico.  A ignorância é campo fértil ao poder ideológico. Injustiça e medo estão presentes na eficácia da ação violenta, do poder político na acepção de Bobbio. Assim como em “O Significado de Política”, prevalece o “argumento” coativo. A posição social de cada indivíduo é determinada pelo grau de medo que seja capaz de inspirar, em função direta do halo de temor que o circunda. Afora a propriedade de suas terras e a intimidação intelectual, o príncipe Salina detém também influência sobre a força policial, poder decorrente da proximidade da  aristocracia siciliana junto ao governo. Demonstra isso a passagem em que Dom Fabrizio e o padre Pirrone recebem acompanhamento de soldados na viagem até uma casa de prostituição na cidade (LAMPEDUSA:1963, p.27). O trecho que parece melhor simbolizar a decadência do poder político, este no conceito de Bobbio, é aquele em que o empregado Russo apresenta ao patrão o apoio de seus amigos, prometendo tranqüilidade na “villa”. “O príncipe sentia-se humilhado: neste momento via-se descido à categoria de protegido dos amigos de Russo; o seu único mérito, ao que parecia, era ser tio de Tancredi” e também “Dentro de uma semana acabarei por descobrir que vou salvar a vida porque tenho Bendicò aqui em casa”(LAMPEDUSA:1963, p.37).
Salvo o exagero, se as armas de um príncipe consistem em um cão, não há mais príncipe.
O poder ideológico
Acompanhando a perda de riqueza e poder político, desgastam-se as bases para o poder ideológico. Mas ainda por muito tempo a distinção de nobreza é capaz de comover os novos burgueses e tradicionalmente continua a colher alguma estima e admiração dos trabalhadores das “villas”. Porém a detenção de conhecimento e difusão das idéias aristocráticas por si sós não mais podem assegurar a primazia dos príncipes em relação aos homens ricos. Tal distinção se torna, assim, o arrimo em que se escoram senhores como Dom Fabrizio, algumas vezes compensando-se pelas perdas gerais, outras tentando colocar-se ao alto dos adversários, como no episódio em que o Príncipe se compraz do mau-gosto no  corte das roupas de Dom Calógero.
O conhecimento intelectual compõe também o poder ideológico. A astronomia era para o príncipe tal qual a “morfina” (LAMPEDUSA:1963, p.34) usada nos Estados Unidos, uma requintada distração que adormece os sentidos e evita ser mais dolorosa a decadência. Aliás, daí parece ser possível evidenciar uma metáfora que permeia todo o livro: a decadência dos aristocratas, do Príncipe Salina em especial, como uma “doença” que evolui inexoravelmente. A astronomia é morfina, para acalmar a angústia. A união à família de Dom Calógero é uma “pílula amarga”. O voto de “sim” no plebiscito pela unificação é um copinho de “óleo de rícino” (LAMPEDUSA:1963, p.91). Ora, o Príncipe está doente, seu mal é o enfraquecimento dos Salina. Mas esses “tratamentos” não levam à cura; são apenas paliativos. E a morte anda à espreita: “o aspecto do príncipe, seu rosto, tornaram-se tão solenes e sombrios que ele parecia caminhar atrás de um invisível carro fúnebre” (LAMPEDUSA:1963, p.90).  Nas páginas que cercam essa descrição se impõem as palavras luto e remorso pelo abandono à monarquia anterior. De qualquer forma, é logo aí anunciada a “concessão de um subsídio de duas mil liras para os esgotos, obra que terminaria no ano de 1961, como assegurou o síndico, caindo num daqueles ‘lapsus’ de que Freud deveria explicar o mecanismo muitas dezenas de anos depois”. Evidentemente, o erro de datas por esse síndico não foi  resultado de uma sua predisposição positiva. A Itália que nascia em Sicília com aquele plebiscito afastava então para sempre o velho Reino, e, sabia o Príncipe, também seu poder como já fora um dia.
Porém estava clara a grande composição que se faria ali. A burguesia detinha agora o poder econômico, o Estado italiano colocaria a força coativa a favor de quem lhe importasse. No entanto, a idéia de ascensão social inclui o ganho de títulos honoríficos; estes títulos estariam a venda de diversas formas, pelo casamento, pela fraude nas investigações genealógicas ou mesmo pela compra direta. Em sua mente o Príncipe dizia: “Vocês não nos querem aniquilar, a nós, os vossos ‘pais’. Querem apenas tomar o nosso lugar. Com doçura, com boas maneiras, metendo-nos talvez no bôlso alguns milhares de ducados.”(LAMPEDUSA:1963, p.91). Nesse momento os burgueses obterão títulos e Salina já pode ver o chamado Russo dizendo-se descendente de um grão-duque de Moscou, embora o nome russo provavelmente derive é da textura de seu cabelo, russo. Poderíamos dizer que nobres e burgueses realizam uma troca. De um lado burgueses abastados buscam nobreza, de outro aristocratas empobrecidos buscam dinheiro. “Tancredi era para Angelica a promessa de um primeiro lugar na alta sociedade siciliana, mundo que ela imaginava cheio de maravilhas bem diferentes do que na realidade aí existiam.” (LAMPEDUSA:1963, p.117). E “nos bailes de Palermo, afugentados os espectros da expropriação e da violência, as duzentas pessoas que compunham ‘a sociedade’ não se cansavam de encontrar-se, sempre as mesmas, para se congratularem de existir ainda” (LAMPEDUSA:1963, p.171). E, de forma geral, não é tão pesaroso tal encontro de classes porque  nas festas em Palermo “os palermitanos são italianos, tão sensíveis portanto quanto os outros ao fascínio da beleza e ao prestígio do dinheiro”(LAMPEDUSA:1963, p.175). Outros símbolos do poder ideológico dos Salina, como a capela por eles construída, pintada com leopardos, são igualmente perdidos até o final do livro. A perda da influência junto à Igreja é cabal quando se dá a visita do clérigo encarregado de “selecionar” o que é válido na capela da família. “Temos então de nos apresentar diante das pessoas das nossas relações como acusadas; isto de uma inspeção à nossa capela, desculpe-me que lhe diga, monsenhor, não devia sequer ter passado pela cabeça de Sua Eminência”(LAMPEDUSA:1963, p.204). “Esse papa faria melhor se se ocupasse do que lhe diz respeito”(LAMPEDUSA:1963, p.205).
“O prestígio do nome em si mesmo tinha-se desvanecido pouco a pouco. O patrimônio, dividido e redividido, na melhor das hipóteses, equivalia ao de tantas outras casas menos ilustres e era muitíssimo menor que o de alguns opulentos industriais. Mas, no que diz respeito à Igreja, às suas relações com ela, os Salina tinham sempre conservado a sua proeminência (...). Mas agora?” (LAMPEDUSA:1963, p.210).
 
Mesmo as lembranças, guardadas em telas e pequenos objetos, acabam por se esvaziar de sentido. Na consolidada realidade liberal da Itália unificada não há mais espaço para reais privilégios de nobreza e nome. Em “O Leopardo”, juntado esse termo ao fracasso pessoal na vida dos sucessores como Concetta, isso é simbolicamente apresentado no arremesso ao lixo de Bendicò empalhado. É ele a única lembrança forte dos tempos de ainda alguma distinção social e diferenciada dignidade. Na realidade não nesse ponto, mas bem antes disso, já estava a superação da antiga nobreza pela burguesia capitalizada.Conclusões
“O Leopardo” retrata mais do que o drama da família Salina, mas a história de uma Sicília quase feudal em pleno século dezenove. Sob as lentes de “O Significado de Política”, de Bobbio, o livro se mostra vivo em exemplos e aplicações práticas da exposição sobre as formas de poder, os fins da política, as relações que configuram essa atividade humana, a atividade política. Os Salina tiveram o poder econômico, e com ele juntaram sob si mesmos diversas pessoas em suas “villas”. Fez-se presente o poder político, pois os instrumentos coativos do Estado se põem ao lado da classe mais privilegiada. E também cultivaram o poder ideológico; o príncipe tem perto de si a Igreja, representada tanto pela capela quanto pelo próprio padre Pirrone, trabalha uma ciência e recebeu educação distinta.
Nas dificuldades que o movimento revolucionário impõe é possível observar o ajustamento com os burgueses. Como foi escrito, as coisas teriam de mudar para que nada mudasse de verdade. O fim da política desse tempo, ou seja, os resultados buscados pela atividade política, parecem não ser outros que a manutenção de uma ordem específica e a estabilidade voltadas para o progresso comercial e industrial. As classes mais fortes temem mais que tudo a ameaça a suas vitórias econômicas. Enganados estariam, como sabemos, os grandes proprietários tradicionais de terras, sua decadência não será imediata mas virá certamente. O Príncipe “imaginou ser um imponente leopardo de pelo liso e perfumado que se preparava para despedaçar um chacalzinho amedrontado; mas, por uma daquelas involuntárias associações de idéias que são o flagelo das naturezas como a sua, veio-lhe à memória a imagem de um daqueles quadros históricos franceses nos quais desfilam marechais e generais austríacos, no ato da rendição, carregados de condecorações e penachos, perante um Napoleão irônico; eram mais elegantes que ele, sem dúvida, mas, seja como for, o vitorioso é o homenzinho de capote cinzento.” (LAMPEDUSA:1963, p.101).
Contrariando a dinamicidade que caberia à posição de mando, tal como Maquiavel teria exortado aos governantes, Dom Fabrizio não se rebela contra sua decadência. Se em algum momento se irrita, procura antes esquecer de tudo através da caça ou de viagens a suas propriedades. Cabe-lhe a pergunta de Tancredi “Cortejas a morte?” (LAMPEDUSA:1963, p.182). Resta-nos concluir que está contada a história de uma classe que se perde e sabe disso, e que com a monarquia savoiana apenas ganha tempo. Lembre-se que o cão empalhado Bendicò é o último vestígio do passado aristocrático. Extremamente significativo que a lembrança mais viva da nobreza dos Salina estivesse morta há várias décadas.
[i] Acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Estadual de Maringá


Bibliografia
BANZINI, Luigi. Os Italianos. Tradução de Newlands Neto. Rio de Janeiro: Civlização Brasileira, 1966.
BOBBIO, N.  Curso de Introdução à Ciência Política. O Significado de Política. s.n.
LAMPEDUSA, Tomasi di. O Leopardo. Tradução de Rui Cabeçadas. 3.Ed. São Paulo: Difusão Européia do livro, 1963.
MAQUIAVEL. O Príncipe. Tradução Antonio Caruccio-Caporale. Porto Alegre: L & PM Pocket, 1999.









Aspectos políticos de “O Leopardo” de Tomasi di Lampedusa

André Del Grossi Assumpção [i]


RESUMO: “O Leopardo” de Tomasi di Lampedusa é romance histórico-político que ilustra a composição de interesses entre a velha nobreza siciliana e a burguesia nascente. Conceitos usados por Bobbio, como o de poder político, econômico e ideológico são perfeitamente aplicados ao texto. Antes conexas que isoladas, estas formas do poder se completam. O Dom Fabrizio da obra de Lampedusa é o patrão de muitos empregados, é um intelectual próximo à Igreja local, detém apoio armado da monarquia. A passagem destes elementos à burguesia transfere poder e força-o, como a todos os outros nobres de seu tempo, a transigir amargamente.

A obra de Lampedusa
Quando Giusepe Tomasi, príncipe de Lampedusa, escreveu sua obra prima na década de cinqüenta deste século, tinha perfeita consciência da carga histórica que ela trazia. Publicamente manifestou em vida o desejo de escrever sobre a Sicília de seu bisavô paterno, Giulio di Lampedusa, astrônomo como o Dom Fabrizio de seu livro, provavelmente tão desapontado com os acontecimentos de seu tempo quanto o personagem da Casa dos Salina. Portanto, a história de Dom Fabrizio, sua decadência e a de sua família; o enlace de Tancredi com Angelica, filha do burguês ascendente; a solidão da filha Concetta, tudo isso tem enquadramento num momento determinado. Esse momento é o da adesão siciliana à unificação da Itália na segunda metade do século XIX, descritas as condições em que se inicia a ação de Garibaldi, desembarcando na ilha com seus revoltosos camisas vermelhas e sendo depois afastado de um governo que interrompe diversas das reformas a que se propunha o movimento, quando assume a dinastia dos Savóia.Como texto histórico, para além da prosa de ficção, o livro do príncipe de Lampedusa pode ser também estudado sob o ângulo político. Na leitura de “O Leopardo” observaram-se conceitos apresentados por Norberto Bobbio em “O Significado de Política”. Mais do que procurar a semântica da palavra, Bobbio apresenta os elementos de constituição do que vem a ser política. E o estudo do poder e dos fins da política dão o tom à análise de personagens e fatos no texto do romancista.  De um lado temos uma classe política em transição e ajustamento, de outro o estudo da atividade política voltado para certos objetivos. Aliás, a ordem e a estabilidade estão no centro dos acontecimentos do romance, onde tudo muda para que nada mude, buscada no caso uma determinada ordem em especial, aquela que garante a sobrevivência imediata da aristocracia.
Política e leopardos
O termo “política” é na Idade Moderna ligado a ações como “conquistar, manter, defender, ampliar, reforçar, abater, derrubar o poder estatal etc.” (Bobbio, O Significado..., p.6). Maquiavel é exemplo dessa nova disposição. Entendida assim como realização humana, a política está intimamente ligada ao poder, compreendido este como a posse dos meios, seja o domínio sobre outros ou sobre a natureza, para que na relação entre as pessoas se possa obter os efeitos desejados. É, assim, o poder de um homem sobre outro homem, possível em diversas formas; algo que na história dos Salina se evidencia. Na verdade o poder político é só uma das formas de poder. Na tradição clássica destacam-se o poder paterno, o despótico e o político. No jusnaturalismo de Locke apresentam-se o poder paterno, o poder despótico e poder civil. No entanto, mais científico é buscar a classificação usando por critério o meio usado pelo “sujeito ativo da relação para condicionar o comportamento do sujeito passivo”, de onde surgem três principais classes de poder. O primeiro é o poder econômico, que se pauta na posse de certos bens que, por sua escassez, induz outrem ao trabalho como condição de obtê-los. Outro é o poder ideológico, baseado na influência de alguém revestido de autoridade suficiente (sacerdotes, cientistas, intelectuais) para inculcar com eficiência suas idéias. Diferente destes é o poder político, que se apóia sobre a posse dos meios para o exercício da força física, poder de coação no seu sentido mais estrito. São as três formas juntas que normalmente fundam o poder num grupo social, advindas de subsistemas ao sistema social, respectivamente a organização das forças produtivas, a organização do consenso e a organização da coação. Prima o poder político, pois a ameaça de violência é sabidamente o derradeiro recurso da dominação.
Mas a atividade política não é orientada somente pela busca maquiavélica de poder. O poder pelo poder é a forma degenerada daquilo que, na realidade, tem tantos fins quantas são as metas definidas por um grupo específico. Se Lampedusa apresenta senhores ávidos por interromper o progresso “excessivo” das revoltas que se viam, então vemos claro o objetivo da manutenção de uma ordem, a saber, a ordem que tradicionalmente existe. Mas é clara a má-vontade do príncipe Salina quanto a qualquer tipo de mudança, pois qualquer alteração interfere inevitavelmente na sua condição aristocrática já tão ofendida. Situação em que o príncipe vê-se alijado de decisões que lhe dizem respeito, atividade política na qual o maior objetivo de sua classe é conservar-se. A previsão de um espaço acanhado no novo governo gera essa grande indisposição. Faz lembrar as diversas invasões que a ilha já sofreu. E talvez agora o destino de um Salina seja pior, entendido que não lhe será deixado seu pequeno domínio particular, formado por seus privilégios postos sobre suas terras. Essa indisposição que Dom Fabrizio externa, atribui mesmo a todos os sicilianos ao falar da natural imobilidade de seu povo. Nesse sentido é significativa a visita de Aimone Chevalley di Monterzuolo, secretário da prefeitura, a convidar o príncipe para o cargo de senador do novo Reino da Itália. O príncipe não o aceita porque, como explica,
“nós, os sicilianos, habituamo-nos durante uma longa, muito longa hegemonia de governantes que não eram da nossa religião, que não falavam a nossa língua, a mil sutilezas. Quem não fazia isto não podia escapar aos exatores bizantinos, aos emires berberes, aos vice-reis espanhóis. Agora fomos dobrados de novo, somos assim feitos. Disse adesão, não disse ‘participação’. Nestes seis últimos meses, desde que o Garibaldi dos senhores pôs o pé em Marsala, foram feitas demasiadas coisas sem nos consultarem para que se possa agora vir pedir a um membro da velha classe dirigente que as tome em mãos e as tome em bom termo. Não quero discutir neste momento se o que se fez foi mal ou bom; por minha conta, acho que muitas coisas foram más; (...) Na Sicília não importa fazer mal ou fazer bem: o pecado que nós, sicilianos, não perdoamos nunca é simplesmente o de ‘fazer’. Somos velhos, Chevalley, terrivelmente velhos. (...) Não o digo para lamentar-me: a culpa é nossa. Mas, de qualquer maneira, estamos cansados e vazios.” (LAMPEDUSA:1963, p.109).
E ainda diria :  “o sono (...) é o que os sicilianos querem, e eles odiarão sempre a quem quiser despertá-los, nem que seja  para lhes trazer os mais belos presentes; e, aqui entre nós, tenho fortes dúvidas de que o novo regime tenha muitos presentes para nós em sua bagagem” (LAMPEDUSA:1963, p.110).
E aí o fim da articulação política entre burguesia e aristocracia é a manutenção da ordem econômica, primordialmente dos grandes patrimônios. É o elo que une nova e antiga classes dominantes, no momento determinado. A despeito de instantes específicos, Bobbio ensina que a segurança interna e externa e a ordem pública são o fim mínimo de qualquer política; ao qual se integra como instrumento o monopólio da força.
Ao acatarmos a definição de política de Schmit, relação amigo-inimigo, destacam-se as relações de antagonismo entre homens e grupos sociais. No romance em questão a oposição formadora da política é basicamente entre burguesia e velha nobreza, mas, ainda observando sobre o ponto de vista de amizade e inimizade, podemos apontar que a união entre esses grupos na instalação do novo governo responde a interesses conjunturais, do momento. As classes mais fortes compõem-se para afastar um inimigo comum: as camadas mais baixas e suas aspirações. Por isso as propostas mais corajosas no campo social não são concretizadas ao fim de tudo. Não devemos aceitar a existência das ditas “necessidades históricas”, onde não sobra ao homem o arbítrio político, mas na naquele instante o príncipe tinha apenas duas prováveis conclusões dos fatos, garantir algum espaço junto à burguesia ou arriscar-se à República. Quando cabe ao príncipe escolher, a escolha já está feita, é ineficaz evitar que a burguesia avance. É possível, porém, evitar que os fatos desemboquem numa República, demasiadamente popular, algo ainda mais repulsivo para a nobreza que a aliança com os capitalistas. 
A política e o social, ou Estado e sociedade civil, como diz Bobbio, são mais apartados à medida que a atividade mercantil burguesa se desenvolve. Em “O Leopardo”, estamos vivendo já a consolidação de uma nova realidade estabelecida pela Revolução Industrial, em outros países da Europa e mesmo em alguns Estados italianos continentais. Os liberais do texto do príncipe de Lampedusa estão integrados nessa nova concepção de Estado. Onde a liberdade de iniciativa requer menor interferência, e onde já não cabem privilégios de nobreza feudal. Os Salina serão igualados a Dom Calógero na sua capacidade de juntar a si os fatores de poder.  Ao mesmo tempo se completa o impedimento da interferência desmedida da Moral junto ao governo. É de se lembrar que o principal alvo dos liberais são as terras da Santa Madre Igreja, o que não pareceria justo aos mais religiosos. Em nome da sobrevivência, podem-se ver nobres como Salina manifestarem vontade contrária à sua consciência, votando diferente do que diria a fidelidade ao rei. Mesmo os males de uma guerra são justificados porque “em contrapartida, teremos liberdade, segurança, menores impostos, facilidades, comércio, todos ficaremos melhor; só os padres vão perder”(LAMPEDUSA:1963, p.36).
Unificação italiana: a Política à época de Dom Fabrizio
A Sicília é a maior ilha do Mediterrâneo, separada da Itália continental pelo estreito de Messina. Sua localização incitou a cobiça estrategista estrangeira desde as mais antigas datas. Houve invasões gregas, cartaginesas, romanas e sarracenas (de muçulmanos norte-africanos). O clima mediterrâneo é ameno mas o solo siciliano é em geral pobre e no verão torna-se ressecado pela falta de chuvas, quando até mesmo os rios secam. Esta situação, que as modernas técnicas de irrigação só começam a alterar a partir de meados deste século XX, é bem evidenciada na obra de Lampedusa, principalmente nas descrições de Donnafugata, propriedade familiar do príncipe, onde a falta de água é patente e os poços servem tanto como fonte como cemitério de animais.
Vários foram os momentos de prosperidade na história da ilha, mas longo foi seu subdesenvolvimento. Desde o século XV as terras foram divididas em grandes propriedades que pertenciam a poucas famílias. As indústrias sempre foram, até a Segunda Guerra, raras, quase não as havia. Os fazendeiros praticavam uma agricultura sob métodos antiquados e faziam poucos esforços para evitar a erosão do solo. Daí a pobreza ser um dos males mais inquietantes entre a maioria da população, reforçando o poder econômico dos proprietários. Dom Fabrizio é um desses grandes proprietários, e seu poder, nas formas do texto de Bobbio, vem diretamente da propriedade, em pleno acordo com a tradição feudal, em que o proprietário tem direito até sobre aqueles que sobre suas terras se instalam.
Em 1848 diversas revoltas despontaram na Áustria, França, vários Estados germânicos e todas as cidades importantes da Itália.  Sardenha e Nápoles ganharam Constituições, Milão expulsou os exércitos austríacos, novas Repúblicas surgiram em Veneza, Roma e Toscana. No ano seguinte a Áustria controlou as rebeliões. Vítor Emanuel II assume o trono da Sardenha. E o rei de Nápoles, Fernando II da Casa Bourbon, então fugido para a Sicília, parte integrante do Reino das Duas Sicílias, cancela a Constituição e tenta restabelecer seu absolutismo. Com a ajuda da França o Papa retoma para si Roma. As revoluções parecem terminadas. Mas a Sardenha manteve sua Constituição e a bandeira tricolor, símbolo do patriotismo italiano. Ao que parece é bandeira essa que Tancredi de “O Leopardo” promete trazer de suas campanhas junto aos liberais.
O primeiro-ministro Cavour da Sardenha trabalhou para projetar a imagem de um Estado progressista e independente, tomando a posição de porta-voz da Itália contra a Áustria. Essa liderança irritou os austríacos que abriram guerra, cedendo, porém, à resistência dos soldados italianos unidos aos franceses. Porém, Napoleão III da França estava descontente pelo que julgava excessivo poder da Sardenha afinal, e retira seu apoio. E quando Garibaldi, veterano da Guerra dos Farrapos, aqui no Brasil, avançou por mar sobre a Sicília com seus mil “camisas vermelhas”, vencendo as tropas napolitanas e alcançando o continente, a Sardenha de Cavour temeu que o ataque a Roma trouxesse França e Áustria contra eles. Medo ainda maior era o de que Garibaldi conseguisse estabelecer na Itália uma República, e não a Monarquia que se esperava. Então as tropas garibaldinas foram barradas pelas de Cavour. Vítor Emanuel II, dinastia de Savóia, proclamou o reino da Itália, em 1861. O povo aprovou a unificação através de um plebiscito, descrito no romance de que tratamos. De qualquer modo consumada a anexação do território, e convencido da necessidade de apoiar naquele momento os liberais, Dom Fabrizio havia difundido entre os seus o voto de “sim”.  No entanto a conversa com Dom Ciccio mostra-o que houve votos pelo “não”. Ele mesmo não se sente bem em votar a favor da unificação mas “nem mesmo concebia que se pudesse proceder de outra forma: “quer porque se estava perante um fato consumado, quer por respeito à teatral banalidade do ato; acrescenta-se ainda a necessidade histórica, e o receio pelas desgraças que aconteceriam às pessoas humildes se a sua atitude negativa fosse descoberta.”(LAMPEDUSA:1963, p.88). Se muitas pessoas não votaram o “sim” teria sido porque “havia entrado em jogo o maquiavelismo abstrato dos sicilianos que tantas vezes induzia essa gente (...)”, “Como clínicos muito hábeis que se tivessem baseado em análises de sangue e urina totalmente falseadas, e cuja correção não fizessem por preguiça excessiva, os sicilianos (de então) acabavam por matar o doente, ou seja, a si próprios, precisamente pela sua astúcia, quase nunca apoiada no conhecimento real dos problemas ou dos interlocutores.”(LAMPEDUSA:1963, p.88), “Alguns destes (...) julgavam impossível que um Príncipe de Salina pudesse votar a favor da Revolução (...) e interpretavam os seus raciocínios como ditos irônicos”. Aqueles que acreditaram no voto do príncipe consideraram-no insensato, “convencidos a não lhe dar ouvidos e obedecer, pelo contrário, ao provérbio milenar, que aconselha a preferir um mal já conhecido a um bem não experimentado”(LAMPEDUSA:1963, p.89), votando o “não” por essa razão ou por motivos pessoais de outra ordem.
A situação antes fragmentada da Itália não interessava aos objetivos comerciais dos burgueses italianos. Por isso liberais como Dom Calógero são essenciais na movimentação revolucionária. O continente, a partir de 1830, passa a acompanhar importante desenvolvimento industrial, e os investidores, principalmente dos Estados italianos mais avançados, sentiram necessidade de prover a centralização que expandiria seus negócios. Porém, esta classe sentia-se receosa quanto à instalação dos ideais republicanos. Não tinham ainda força suficiente para tomar para si o comando do governo. Assim, evitando as mudanças estruturais que a ameaçassem como classe proprietária, a burguesia busca a monarquia constitucional que pudesse com mais segurança desenvolver a economia. Ainda é a propriedade, e as rendas, que moldam a política do novo Estado, embora tudo tenha uma nova face. O verdadeiro maquiavelismo, como ação isenta da moral que deveria reger as ações individuais, foi  usar a população mais simples para atingir vitórias sem jamais pensar nas reformas que esta reclamava. Assim é demonstrado quando chegam Tancredi e seu amigo Cavriaghi à casa dos Salina, dirigindo-se ao príncipe: “Não se fala mais em garibaldinos, Tiozão. Nós fomo-lo, mas acabou-se. Cavriaghi e eu, graças a Deus, somos oficiais do exército regular de Sua Majestade, Rei da Sardenha por alguns meses ainda, da Itália dentro de pouco tempo. Quanto ao exército de Garibaldi, foi dissolvido e mandaram-nos escolher: ou voltar para casa, ou ficar nos exércitos do rei. Ele e eu, como muitos outros, entramos no exército, no ‘verdadeiro’ ” (LAMPEDUSA:1963, p. 122).
Marcantes as declarações emocionadas de Dom Ciccio Tumeo: “Há muito pano para manga para traficantes como Sedàra, para quem o lucro é uma lei da natureza. Para nós, a arraia miúda, as coisas ficam na mesma” e continua “Era ‘súdito fiel’, virei um ‘bourbônico sujo’. Agora toda a gente é ‘saboiana’!” (LAMPEDUSA:1963, p.94).
O poder econômico: as Revoluções
A história dos Salina é a todo momento apresentada segundo símbolos. A função de cada representação é elevar o enredo ao seu plano original, a história real da Itália. Assim, o casamento de Tancredi e Angélica quer dizer mais do que o casamento destas personagens, refere-se à articulação entre a antiga nobreza feudal e a burguesia ascendente. A “pílula amarga” que o Príncipe engoliu foi na verdade engolida por muitos nobres contemporâneos seus, e é isso que o autor quer nos trazer. Assim como os burgueses evitam avanços “demasiados” na sua política liberal, apoiando uma unificação monárquica. Também os aristocratas são impulsionados a participarem de uma aliança que sabem ser um duro golpe ao seu poder, mas necessária para evitar uma queda absoluta pelas mãos dos mais entusiásticos liberais. Da mesma forma a submissão do padre Pirrone a Dom Fabrizio não remete a outra coisa senão à relação entre a religião e os grandes senhores, situação que até a última página do livro é alterada, desfecho também mostrado de forma simbólica.
Conforme escreve Bobbio, embora seja o fator político de força o único capaz de, em última instância, fazer resistir um Estado, é de se notar que o fator econômico é muito significativo. O poder ideológico pode ser melhor exercido se acompanhado pela superioridade econômica. A violência poderá ser invocada com maior sucesso se houver recursos financeiros que possibilitem isso. Sendo a conjugação entre eles  que possibilitou e tem possibilitado a dominação por um ou outro grupo, tais fatores estão também presentes na família Salina. Primeiro é de se lembrar que a Sicília, embora tenha prosperado muitas vezes em sua longa história, tornou-se economicamente subdesenvolvida a partir do século XV. A maior parte das terras foi dividida em grandes propriedades, que pertenciam a um pequeno número de pessoas. As pessoas se empregavam no campo. Reforçam-se os laços de dependência entre a população miserável das “villas” e aqueles que têm o poder econômico.
Na Sicília da época a passagem do dinheiro dos aristocratas aos burgueses  representa, portanto, passagem de poder. Dom Calógero é extremamente avarento, mas, “quando é preciso, sabe gastar; e porque cada ‘tari’ que se gasta neste mundo vai parar nos bolsos de alguém, acontece que neste momento muita gente depende dele” (LAMPEDUSA:1963, p.97). Aqui não está outra coisa senão a descrição do poder econômico tratado por Bobbio. E se ao burguês se deve a perda de poder dos nobres, é ao mesmo Dom Calógero , “às suas intrigas obscuras, à sua avareza e avidez tenazes que se devia o sentido de morte que, agora, claramente, ensombrecia estes palácios”. (.P.179). Juntamente com a riqueza crescia também a influência política: “tornara-se chefe dos liberais na povoação e até nos lugares vizinhos; quando se fizessem as eleições tinha a certeza de que seria feito deputado.”(LAMPEDUSA:1963, p.58).  O príncipe chega a ironicamente recomendá-lo ao Senado: “Ele tem mais méritos que eu (...); mais do que aquilo que o senhor chama prestígio, ele tem o poder” (LAMPEDUSA:1963, p.110).  E a idéia de apresentar-se inferior assusta a Dom Fabrizio:  “ Não só ele, o príncipe, não era já o maior proprietário de Donnafugata, como era obrigado a receber em traje de tarde um convidado que se apresentava em traje de cerimônia.” (LAMPEDUSA:1963, p.67).
É essencial considerar a situação de um príncipe como Dom Fabrizio, suas posses são antigas, passaram por aquele reforço do feudalismo no século XV, como dissemos.  Aí se insere o atraso da região em relação às outras áreas da Europa e ainda a cidades italianas como Florença, refúgios de idéias republicanas, destacadando-se ainda nos primórdios do Renascimento. O poder do Príncipe vem de sua propriedade, sobre terras e também sobre pessoas que nelas vivam. Exerce o poder em seu direito de dono. As “villas” pertenciam ao senhor e eram apenas administradas por um síndico. Os principados da ilha não resistiriam às intenções liberais que ideário da República trazia. Já decadentes, os príncipes sabem, contudo, que somente com a manutenção de algumas distinções é que poderão sobreviver. Por isso negam seus laços com o monarca e apóiam os liberais. O trecho que melhor representa essa intenção é a argumentação de Tancredi ao seu tio quando parte para integrar os exércitos liberais, em favor da unificação. “Do lado do rei, com certeza, mas de que rei?” e “Se nós não estivermos lá, eles fazem uma República. Se quisermos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude”(LAMPEDUSA:1963, p.32).  Sobre o grifo que fizemos existe a referência à necessidade de projetar alterações para evitar mudanças significativas, fator maior de interesse político nas classes da obra de Lampedusa. Significa exatamente o reconhecimento do fortalecimento dos liberais. É também o mesmo critério que diferencia “Revoluções” e “revoluções”. As verdadeiras Revoluções alteram a base do sistema, mudam essencialmente as relações que caracterizam a organização social. Pretensiosas revoluções são aquelas que tratam da simples substituição de governos ou relações superficiais, sem interferir naquelas que realmente formam a base da construção social. A idéia de que as coisas não mudam prevê a sobrevivência da aristocracia. Pensamos que a história contada por Lampedusa pode ser entendida tanto por um como por outro ponto de vista. Não é Revolução se considerarmos que já era consagrada a atividade capitalista em desfavor do feudalismo e a unificação não alterará  a relação que as elites têm com a propriedade e a riqueza. Mas será uma Revolução se considerarmos que naquele momento se completa na Sicília o que já ocorrera em outras nações, a longa transição do feudalismo ao capitalismo. Os desgastes são calculados e melhor que deter-se fiel a um rei sem perspectivas é participar da atividade revolucionária e, terminados os confrontos, ter meios para barganhar junto ao novo rei por alguma segurança ao velho patrimônio. Tudo muda, mas na essência tudo fica como antes.  Não é desapercebido, porém, o fato de que os nobres não teriam jamais o poder que já tiveram. Isso porque:
“As riquezas com muitos séculos de existência haviam-se transformado em arrebiques, em luxo, em prazeres, e nada mais; a abolição dos direitos feudais decapitara ao mesmo tempo as obrigações e os privilégios; a riqueza, como um vinho velho, deixava cair no fundo da pipa as bôrras da cobiça, dos cuidados, e mesmo as da prudência, para conservar apenas o calor e a côr. E assim, acabava por se destruir a si própria: esta riqueza, que havia atingido o seu objetivo, compunha-se agora apenas de essências e, como essências, evaporava-se ràpidamente. E já algumas daquelas propriedades de ar festivo haviam levantado vôo e delas restavam apenas telas pintalgadas e os seus nomes. Outras pareciam aquelas andorinhas de setembro que, embora ainda presentes, já estão reunidas em grande gritaria nas árvores, prestes a partir. Mas eram tantas...; parecia que jamais poderiam acabar.” (LAMPEDUSA:1963, p.33).
É a consciência da degradação, aliada a uma boa dose de egoísmo, que proporciona o ajuste com os liberais no novo governo “Para nós, um paliativo que nos garanta mais cem anos de vida equivale à eternidade”.(LAMPEDUSA:1963, p.41). Isso reforçado pela já referida convicção de que nessa disputa ocorrerão “Negociações ao ritmo de descargas inofensivas. Depois tudo ficará na mesma, embora tudo tenha mudado.”(LAMPEDUSA:1963, p.34).

“Afinal, esta gente, êstes liberais do campo queriam, apenas, poder enriquecer mais fàcilmente. Era tudo. A andorinhas iriam levantar vôo mais cedo. E nada mais. De resto havia ainda muitas no ninho. (...) Muita coisa iria acontecer mas tudo seria uma comédia; uma ruidosa e romântica comédia com algumas gotas de sangue nas roupas burlescas. A Itália era o país dos reajustamentos, não havia nela a fúria francesa; mas também que havia acontecido de novo em França com exceção do movimento revolucionário de junho de 48?”(LAMPEDUSA:1963, p.37).
O poder político
Luigi Banzini, autor dos textos agrupados em “Os Italianos”, aponta quatro grandes males que caracterizaram, no seu modo de ver, a configuração do povo italiano.
O primeiro deles é a pobreza, marcante a concentração de riquezas. Em segundo temos a ignorância, que afasta o povo comum dos embates pelos rumos da política. Em terceiro vem a injustiça. Por todos os lugares da Itália há marcas de brutalidade e impunidade. Histórias de injustiças na atrasada Sicília são os instrumentos de Tancredi para divertir-se com os temores do secretário da prefeitura, Chevalley di Monterzuolo, quando os visita para convidar o príncipe ao cargo de senador. Em quarto aparece o medo. Cada uma destas mazelas tem seu espaço na sociedade italiana, mas, como escreveu Banzini, o medo é fator mais destacado, tanto mais porque se forma a partir da conjugação dos outros problemas, derivando-se deles.  Do mesmo modo encontramos as colocações de Bobbio aplicada ao texto de Lampedusa. O mal da pobreza é a fonte do poder econômico.  A ignorância é campo fértil ao poder ideológico. Injustiça e medo estão presentes na eficácia da ação violenta, do poder político na acepção de Bobbio. Assim como em “O Significado de Política”, prevalece o “argumento” coativo. A posição social de cada indivíduo é determinada pelo grau de medo que seja capaz de inspirar, em função direta do halo de temor que o circunda. Afora a propriedade de suas terras e a intimidação intelectual, o príncipe Salina detém também influência sobre a força policial, poder decorrente da proximidade da  aristocracia siciliana junto ao governo. Demonstra isso a passagem em que Dom Fabrizio e o padre Pirrone recebem acompanhamento de soldados na viagem até uma casa de prostituição na cidade (LAMPEDUSA:1963, p.27). O trecho que parece melhor simbolizar a decadência do poder político, este no conceito de Bobbio, é aquele em que o empregado Russo apresenta ao patrão o apoio de seus amigos, prometendo tranqüilidade na “villa”. “O príncipe sentia-se humilhado: neste momento via-se descido à categoria de protegido dos amigos de Russo; o seu único mérito, ao que parecia, era ser tio de Tancredi” e também “Dentro de uma semana acabarei por descobrir que vou salvar a vida porque tenho Bendicò aqui em casa”(LAMPEDUSA:1963, p.37).
Salvo o exagero, se as armas de um príncipe consistem em um cão, não há mais príncipe.
O poder ideológico
Acompanhando a perda de riqueza e poder político, desgastam-se as bases para o poder ideológico. Mas ainda por muito tempo a distinção de nobreza é capaz de comover os novos burgueses e tradicionalmente continua a colher alguma estima e admiração dos trabalhadores das “villas”. Porém a detenção de conhecimento e difusão das idéias aristocráticas por si sós não mais podem assegurar a primazia dos príncipes em relação aos homens ricos. Tal distinção se torna, assim, o arrimo em que se escoram senhores como Dom Fabrizio, algumas vezes compensando-se pelas perdas gerais, outras tentando colocar-se ao alto dos adversários, como no episódio em que o Príncipe se compraz do mau-gosto no  corte das roupas de Dom Calógero.
O conhecimento intelectual compõe também o poder ideológico. A astronomia era para o príncipe tal qual a “morfina” (LAMPEDUSA:1963, p.34) usada nos Estados Unidos, uma requintada distração que adormece os sentidos e evita ser mais dolorosa a decadência. Aliás, daí parece ser possível evidenciar uma metáfora que permeia todo o livro: a decadência dos aristocratas, do Príncipe Salina em especial, como uma “doença” que evolui inexoravelmente. A astronomia é morfina, para acalmar a angústia. A união à família de Dom Calógero é uma “pílula amarga”. O voto de “sim” no plebiscito pela unificação é um copinho de “óleo de rícino” (LAMPEDUSA:1963, p.91). Ora, o Príncipe está doente, seu mal é o enfraquecimento dos Salina. Mas esses “tratamentos” não levam à cura; são apenas paliativos. E a morte anda à espreita: “o aspecto do príncipe, seu rosto, tornaram-se tão solenes e sombrios que ele parecia caminhar atrás de um invisível carro fúnebre” (LAMPEDUSA:1963, p.90).  Nas páginas que cercam essa descrição se impõem as palavras luto e remorso pelo abandono à monarquia anterior. De qualquer forma, é logo aí anunciada a “concessão de um subsídio de duas mil liras para os esgotos, obra que terminaria no ano de 1961, como assegurou o síndico, caindo num daqueles ‘lapsus’ de que Freud deveria explicar o mecanismo muitas dezenas de anos depois”. Evidentemente, o erro de datas por esse síndico não foi  resultado de uma sua predisposição positiva. A Itália que nascia em Sicília com aquele plebiscito afastava então para sempre o velho Reino, e, sabia o Príncipe, também seu poder como já fora um dia.
Porém estava clara a grande composição que se faria ali. A burguesia detinha agora o poder econômico, o Estado italiano colocaria a força coativa a favor de quem lhe importasse. No entanto, a idéia de ascensão social inclui o ganho de títulos honoríficos; estes títulos estariam a venda de diversas formas, pelo casamento, pela fraude nas investigações genealógicas ou mesmo pela compra direta. Em sua mente o Príncipe dizia: “Vocês não nos querem aniquilar, a nós, os vossos ‘pais’. Querem apenas tomar o nosso lugar. Com doçura, com boas maneiras, metendo-nos talvez no bôlso alguns milhares de ducados.”(LAMPEDUSA:1963, p.91). Nesse momento os burgueses obterão títulos e Salina já pode ver o chamado Russo dizendo-se descendente de um grão-duque de Moscou, embora o nome russo provavelmente derive é da textura de seu cabelo, russo. Poderíamos dizer que nobres e burgueses realizam uma troca. De um lado burgueses abastados buscam nobreza, de outro aristocratas empobrecidos buscam dinheiro. “Tancredi era para Angelica a promessa de um primeiro lugar na alta sociedade siciliana, mundo que ela imaginava cheio de maravilhas bem diferentes do que na realidade aí existiam.” (LAMPEDUSA:1963, p.117). E “nos bailes de Palermo, afugentados os espectros da expropriação e da violência, as duzentas pessoas que compunham ‘a sociedade’ não se cansavam de encontrar-se, sempre as mesmas, para se congratularem de existir ainda” (LAMPEDUSA:1963, p.171). E, de forma geral, não é tão pesaroso tal encontro de classes porque  nas festas em Palermo “os palermitanos são italianos, tão sensíveis portanto quanto os outros ao fascínio da beleza e ao prestígio do dinheiro”(LAMPEDUSA:1963, p.175). Outros símbolos do poder ideológico dos Salina, como a capela por eles construída, pintada com leopardos, são igualmente perdidos até o final do livro. A perda da influência junto à Igreja é cabal quando se dá a visita do clérigo encarregado de “selecionar” o que é válido na capela da família. “Temos então de nos apresentar diante das pessoas das nossas relações como acusadas; isto de uma inspeção à nossa capela, desculpe-me que lhe diga, monsenhor, não devia sequer ter passado pela cabeça de Sua Eminência”(LAMPEDUSA:1963, p.204). “Esse papa faria melhor se se ocupasse do que lhe diz respeito”(LAMPEDUSA:1963, p.205).
“O prestígio do nome em si mesmo tinha-se desvanecido pouco a pouco. O patrimônio, dividido e redividido, na melhor das hipóteses, equivalia ao de tantas outras casas menos ilustres e era muitíssimo menor que o de alguns opulentos industriais. Mas, no que diz respeito à Igreja, às suas relações com ela, os Salina tinham sempre conservado a sua proeminência (...). Mas agora?” (LAMPEDUSA:1963, p.210).
 
Mesmo as lembranças, guardadas em telas e pequenos objetos, acabam por se esvaziar de sentido. Na consolidada realidade liberal da Itália unificada não há mais espaço para reais privilégios de nobreza e nome. Em “O Leopardo”, juntado esse termo ao fracasso pessoal na vida dos sucessores como Concetta, isso é simbolicamente apresentado no arremesso ao lixo de Bendicò empalhado. É ele a única lembrança forte dos tempos de ainda alguma distinção social e diferenciada dignidade. Na realidade não nesse ponto, mas bem antes disso, já estava a superação da antiga nobreza pela burguesia capitalizada.Conclusões
“O Leopardo” retrata mais do que o drama da família Salina, mas a história de uma Sicília quase feudal em pleno século dezenove. Sob as lentes de “O Significado de Política”, de Bobbio, o livro se mostra vivo em exemplos e aplicações práticas da exposição sobre as formas de poder, os fins da política, as relações que configuram essa atividade humana, a atividade política. Os Salina tiveram o poder econômico, e com ele juntaram sob si mesmos diversas pessoas em suas “villas”. Fez-se presente o poder político, pois os instrumentos coativos do Estado se põem ao lado da classe mais privilegiada. E também cultivaram o poder ideológico; o príncipe tem perto de si a Igreja, representada tanto pela capela quanto pelo próprio padre Pirrone, trabalha uma ciência e recebeu educação distinta.
Nas dificuldades que o movimento revolucionário impõe é possível observar o ajustamento com os burgueses. Como foi escrito, as coisas teriam de mudar para que nada mudasse de verdade. O fim da política desse tempo, ou seja, os resultados buscados pela atividade política, parecem não ser outros que a manutenção de uma ordem específica e a estabilidade voltadas para o progresso comercial e industrial. As classes mais fortes temem mais que tudo a ameaça a suas vitórias econômicas. Enganados estariam, como sabemos, os grandes proprietários tradicionais de terras, sua decadência não será imediata mas virá certamente. O Príncipe “imaginou ser um imponente leopardo de pelo liso e perfumado que se preparava para despedaçar um chacalzinho amedrontado; mas, por uma daquelas involuntárias associações de idéias que são o flagelo das naturezas como a sua, veio-lhe à memória a imagem de um daqueles quadros históricos franceses nos quais desfilam marechais e generais austríacos, no ato da rendição, carregados de condecorações e penachos, perante um Napoleão irônico; eram mais elegantes que ele, sem dúvida, mas, seja como for, o vitorioso é o homenzinho de capote cinzento.” (LAMPEDUSA:1963, p.101).
Contrariando a dinamicidade que caberia à posição de mando, tal como Maquiavel teria exortado aos governantes, Dom Fabrizio não se rebela contra sua decadência. Se em algum momento se irrita, procura antes esquecer de tudo através da caça ou de viagens a suas propriedades. Cabe-lhe a pergunta de Tancredi “Cortejas a morte?” (LAMPEDUSA:1963, p.182). Resta-nos concluir que está contada a história de uma classe que se perde e sabe disso, e que com a monarquia savoiana apenas ganha tempo. Lembre-se que o cão empalhado Bendicò é o último vestígio do passado aristocrático. Extremamente significativo que a lembrança mais viva da nobreza dos Salina estivesse morta há várias décadas.
[i] Acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Estadual de Maringá


Bibliografia
BANZINI, Luigi. Os Italianos. Tradução de Newlands Neto. Rio de Janeiro: Civlização Brasileira, 1966.
BOBBIO, N.  Curso de Introdução à Ciência Política. O Significado de Política. s.n.
LAMPEDUSA, Tomasi di. O Leopardo. Tradução de Rui Cabeçadas. 3.Ed. São Paulo: Difusão Européia do livro, 1963.
MAQUIAVEL. O Príncipe. Tradução Antonio Caruccio-Caporale. Porto Alegre: L & PM Pocket, 1999.




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